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Previdência parlamentar permite aposentadoria até a deputado cassado

Previdência parlamentar permite aposentadoria até a deputado cassado

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Apenas neste ano, sete deputados e ex-deputados deram entrada em processos de homologação de aposentadoria no Estado (Natinho Rodrigues/Diário do Nordeste)
Deputado que perdeu mandato no escândalo da merenda escolar, recebe mensalmente R$ 25 mil de aposentadoria.

Cinco anos e nove meses. Esse foi o tempo em que Sérgio Benevides ocupou o cargo de deputado estadual na Assembleia Legislativa. Ele cumpriu um mandato completo e, no segundo, foi cassado um ano e nove meses após a posse. Mesmo com tão pouco tempo na Casa Legislativa, e após ter sido cassado por denúncias de corrupção, o ex-deputado está aposentado como deputado estadual.

A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado do último dia 10 de outubro. Ele terá direito a receber R$ 25.322,25 por mês pelo exercício da função parlamentar. O caso de Benevides, o homem do escândalo da merenda escolar, é o mais emblemático do Sistema de Aposentadoria Parlamentar do Estado. No próprio Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE), procuradores e conselheiros divergem acerca do assunto.

“Me parece uma imoralidade que um deputado que foi cassado depois venha a receber recursos do erário através de aposentadoria”, afirma o procurador de contas do Ministério Público de Contas do Ceará, que atua no TCE, Glaydson Pinheiro Alexandre.

As distorções ocorrem porque o Sistema de Previdência Parlamentar do Ceará permite ao deputado, mesmo após deixar o mandato (sem cumprir o tempo de serviço de 20 anos), continuar contribuindo para a previdência até completar o tempo de aposentadoria. Neste caso, o interessado paga a parte que lhe caberia (R$ 3.545,12) se estivesse no mandato, acrescida de igual quantia que seria complementada pela Assembleia Legislativa. O valor total é de R$ 7.090,24 por mês.

No caso dos parlamentares ativos, para cobrir o “complemento”, o Governo do Estado prevê o repasse, em 2020, de R$ 21,3 milhões ao Fundo de Previdência Parlamentar. O sistema, segundo o procurador, prevê vantagens distantes da realidade da maioria dos trabalhadores brasileiros.

Parcelamento

“A Previdência Parlamentar autoriza também um parcelamento: o ex-deputado deixa de contribuir por dez, 15 anos, entra com um pedido de aposentadoria – mesmo sem ter o tempo de contribuição – e ele faz um parcelamento desse valor devido descontado na aposentadoria que vai receber, sem juros ou qualquer atualização monetária pelo tempo de contribuição devido”, diz.

Sérgio Benevides teve o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar em um processo de desvio de R$ 1,3 milhão em recursos destinados à merenda escolar do município de Fortaleza, entre os anos de 1998 e 2000. Após perder o mandato, em 2004, ele foi condenado, em 2012, pela Justiça Federal, no que ficou conhecido como “escândalo da merenda escolar”.

Segundo denúncia do Ministério Público, empresas ligadas a Benevides foram beneficiadas pela venda superfaturada de merenda escolar à Prefeitura de Fortaleza, à época comandada por Juraci Magalhães, sogro do então deputado. Com a decisão, ele foi obrigado a devolver os valores desviados – R$ 1,3 milhão, atualizados monetariamente – e pagar multa, bem como teve os direitos políticos suspensos por oito anos.

Por isso, para alguns, há entendimento de que a aposentadoria seria ilegal, uma vez que o provento sai dos cofres públicos. “Essa é uma questão nova ainda, que deverá ser estudada pelo Tribunal de Contas do Ceará e pelo Ministério Público de Contas”, ressalta Glaydson Alexandre. Procurado pela reportagem, Sérgio Benevides não foi localizado até o fechamento desta matéria.

Benefício

Na avaliação do professor e advogado Thiago Albuquerque, especialista em Direito Previdenciário, “tendo havido a contribuição, o pagamento da vantagem é considerada como benefício stricto sensu, ou seja, benefício previdenciário, e não o benefício a que lei como a de improbidade se referem, uma vez que a relação previdenciária com o ente não é contratual, mas jurídico-administrativa”.

A aposentadoria especial dos deputados cearenses é questionada em uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADI), ajuizada em 2015 pela Procuradoria Geral da República no Supremo Tribunal Federal (STF), mas é mais uma ação que parece esquecida nas gavetas do Judiciário.

Na ação, a então procuradora geral da República em exercício, Ela Wiecko Volkmer de Castilho, argumenta que “não tem o legislador constituinte estadual competência legislativa para criar benefício previdenciário em contrariedade aos parâmetros constitucionais”. Na manifestação, ela sustenta, ainda, que é “constitucionalmente inadmissível a elaboração de leis imorais, que gerem desigualdades injustificáveis, cujo único propósito seja privilegiar determinados indivíduos, locupletando-os à custa do Estado”.

Sob a relatoria do ministro Celso de Mello, a ADI tramita sem movimentação desde agosto de 2016. De acordo com o STF, a ação ainda está na fase de instrução processual, e não existe data prevista para julgamento.

Apenas neste ano, sete deputados e ex-deputados do Ceará deram entrada em processos de homologação de aposentadoria pelo Sistema de Previdência Parlamentar, no TCE-CE.

Pelo Sistema, os deputados têm direito a receber 100% dos proventos mensais e a aposentadoria pode ser solicitada com as seguintes regras: ter 60 anos de idade e 35 anos de contribuição, sendo 20 deles, ou cinco mandatos, dentro do regime especial, e mais 15 anos no regime geral. Não há aposentadoria proporcional.

Em julho de 2014, os deputados estaduais aprovaram Lei Complementar, de autoria da Mesa Diretora, para que, após autorizada pela Casa, o parlamentar ou ex-parlamentar autor do pedido automaticamente passasse a receber 80% dos proventos, enquanto os demais 20% ficariam retidos aguardando a homologação do Tribunal de Contas. Ou seja, liberação antes mesmo da palavra final do órgão que fiscaliza a aplicação do dinheiro público no Estado.

Inconstitucional

No início deste mês, o STF declarou inconstitucional o pagamento de aposentadoria especial a deputados e ex-deputados estaduais de Mato Grosso por um Fundo de Assistência Parlamentar (FAP).

De acordo com a Procuradoria Geral da República, a previsão de um sistema de previdência próprio para parlamentares estaduais contraria preceitos fundamentais da ordem constitucional, como os princípios federativo e republicano, a competência da União para legislar sobre normas gerais em matéria de Previdência Social, além de princípios de isonomia, moralidade e impessoalidade.

Em nota, a Assembleia Legislativa do Estado ressalta que, no caso dos ex-parlamentares, não há custos para o poder público porque quem optar pelo regime precisa pagar a sua quota individual e também a quota patronal para se manter no sistema.

O ato da Mesa Diretora obedece ao que preceitua a Lei Complementar 13/1999, não sendo a concessão de aposentadoria um ato discricionário do presidente que esteja no cargo. A Casa Legislativa diz ainda que “qualquer cidadão contribuinte que chegue à aposentadoria tem direito a ela, mesmo que seja julgado, condenado e preso”.

Como a reforma da Previdência atinge a classe política

Com a reforma da Previdência, políticos com mandatos eletivos (deputados federais e senadores) terão o mesmo regime de aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada. Isso significa que os próximos políticos não terão mais um regime especial de aposentadoria.

Com isso, eles só poderão se aposentar com idade mínima de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens, com contribuição mínima de 20 anos. A regra para se aposentar por tempo de contribuição acabou sendo extinta.

“O requisito etário será o mesmo, haja vista que reforma extirpou o direito à aposentadoria por tempo de contribuição. No entanto, os parlamentares, ainda assim, serão mais beneficiados, ou seja, terão tratamento anti-isonômico, já que a Constituição apenas prevê requisitos diferenciados para pessoas com deficiência e que exerçam atividade de risco. Para a regra de transição, enquanto o pedágio é de 50% para os trabalhadores em geral, este será de apenas 30% para os parlamentares. Um caso clássico de legislar em causa própria”, ressalta o advogado Thiago Benevides.

Atualmente, existe o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC), que permite que os políticos, independentemente do gênero, se aposentem com 60 anos de idade ou ao completarem 35 anos de contribuição. A reforma da Previdência manteve o Plano para os atuais inscritos.

A partir das novas regras, os políticos poderão receber pelo INSS o teto, que hoje é de R$ 5.839,45. Para receber acima desse valor, eles teriam a opção de participar de um fundo de Previdência complementar. A União já tem o seu fundo, mas isso não aconteceu na maioria dos estados e municípios.

Estado

No Ceará, uma reforma da Previdência foi aprovada em 2018. Pelas novas regras, os servidores efetivos precisarão contribuir para uma Previdência complementar para conseguirem se aposentar com salário integral.

A contribuição extra é opcional, mas se o servidor optar por não contribuir ele se aposenta com o teto geral do INSS. As regras passaram a valer em novembro e os servidores que ingressaram no serviço público a partir desta data estão sujeitos a elas.

Fonte: Diário do Nordeste
miseria.com.br
18.11.2019