Com pandemia, cresce número de animais abandonados em distintas regiões do Ceará - Cariri Ativo - A Notícia Com Credibilidade e Imparcialidade
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Com pandemia, cresce número de animais abandonados em distintas regiões do Ceará

Com pandemia, cresce número de animais abandonados em distintas regiões do Ceará

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Protetores independentes fantasiam os animais para atrair mais pessoas para o processo de adoção. (Foto: Arquivo Pessoal)
A situação reflete o cenário nacional e corresponde a um quadro ainda mais preocupante: em que os animais são vistos como objetos, conforme defendem ativistas. Além de cães e gatos, mais de dois mil animais foram resgatados de rodovias cearenses neste ano.

“Já vermifugado, só tem dois meses. Não estou tendo tempo para cuidar dele, voltei a trabalhar (de forma) presencial". Esse é parte de relato publicado na última sexta-feira, 23, por uma tutora cearense de um coelho da raça Lion Head em um dos maiores sites de anúncios classificados da internet. Com a pandemia, episódios semelhantes têm se tornado cada vez mais comuns e o número de pessoas querendo se desfazer de seus outrora melhores amigos tem crescido significativamente.

Um levantamento da ONG Ampara Animal concluiu que o abandono de animais subiu 61,6% entre julho de 2020 e fevereiro deste ano no País. A pesquisa consultou 92 abrigos de 12 estados brasileiros. Em Fortaleza, por exemplo, a União Internacional Protetora dos Animais (Uipa-CE) registrou aumento do abandono de 80%. Outras federações nordestinas também registraram altas taxas e um abrigo em João Pessoa (PB) chegou ao incremento de 150% em relação ao ano passado.

Isso tem feito com que os protetores independentes e grupos de defesa da causa animal encontrem cada vez mais dificuldade para dar um lar, ainda que temporário, para os bichos deixados à própria sorte nas ruas pelos seus antigos donos. Há relatos de abrigos cada vez mais lotados em várias partes do Ceará, como Fortaleza, Juazeiro do Norte e Sobral, na região Norte do Estado.

Em contato com o O POVO, as pessoas que estão à frente de abrigos foram unânimes em reclamar da falta de apoio do poder público para realizar os resgates. No Cariri, por exemplo, a ativista ambiental Ana Cláudia Leimig, presidente da Pet Social Patinhas de Rua, pondera que o trabalho desempenhado pela organização poderia ter um alcance bem maior com apoio das autoridades competentes.

Ela reconhece que há um interesse crescente na causa animal de representantes tanto do poder Executivo como do Legislativo, mas cobra a execução de “políticas públicas sérias de médio a longo prazo”. A organização chefiada por Leimig existe há quatro anos e tem foco na castração de animais, como forma de controlar a população dos bichos e facilitar com que eles sejam adotados por novos tutores. Desde 2017, mais de três mil animais foram castrados em ações da instituição.

A instituição continuou fazendo ações de castração durante a pandemia.
A instituição continuou fazendo ações de castração durante a pandemia. (Foto: Divulgação/Pet Social)


“Diante do contexto, a castração é extremamente necessária. Quantos animais estariam nas ruas agora se nós não tivéssemos feito essa ação? Com a castração, nós efetivamente controlamos a natalidade dos bichos. Mesmo que eles voltem para rua, não vão se multiplicar, evitando o sofrimento que os filhotes também teriam”, enfatiza a ativista, que também é graduanda do curso de Medicina Veterinária.

Em Fortaleza, a ONG Abrace é uma das instituições que cuida dos animais abandonados. O objetivo principal da organização é amparar os bichos que estejam em lares temporários enquanto uma adoção responsável não é viabilizada. Com cerca de 100 voluntários, os integrantes também têm observado uma lotação crescente dos abrigos e lares. “Existem pessoas que por maldade abandonam animais doentes. Eles deveriam ser companheiros para vida toda, mas são alvos dessa maldade”, lamenta Cristiane Angélica, presidente e fundadora da ONG.

Em relação à atuação do poder público na Capital, Cristiane aponta que é possível ver o “esforço” das autoridades, mas considera que as ações são incompatíveis com a demanda existente. Para ela, uma das iniciativas que deveria ser ampliada na Cidade é o VetMóvel, equipamento itinerante com serviços gratuitos destinados a cães e gatos de moradores da região atendida. Criado em junho de 2018 pela Prefeitura de Fortaleza, o serviço já realizou mais de 22 mil consultas clínicas e sete mil castrações.

O POVO tenta contato desde o dia 14 deste mês com a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), pasta a qual a Coordenadoria Especial de Proteção e Bem-Estar Animal (Coepa) é vinculada, mas não recebeu retorno.

Para o promotor de Justiça Marcus Amorim, uma das principais lacunas da administração municipal em Fortaleza é a falta de abrigos públicos para destinar os animais vítimas de abandono ou de maus-tratos. Ele explica que atualmente há uma consistente cooperação com ONGs para dar um lar temporário para os animais, mas nem sempre isso é possível. Amorim exemplificou um episódio, em dezembro do ano passado, em que dez cachorros de grande porte enfrentavam situações de maus-tratos e foram retirados da tutela de mãe e filha.

Além da estrutura física para respaldar as ações, Ana Cláudia Leimig ressalta a importância de oferecer uma educação de qualidade para as pessoas sobre a causa animal. “Eu acho que essa questão de abrigo é uma coisa temporária, não resolve o problema. Sem uma política de educação para as pessoas, não tem jeito. A adoção e a castração por si só, sem o apoio do processo educacional, não adianta”, considera.

Essa também é a posição defendida pela enfermeira Daniele Vasconcelos, coordenadora do comitê gestor do Projeto de Convivência com Cães e Gatos em Estado de Abandono no Campus Universitário do Itaperi da Universidade Estadual do Ceará (Uece). A especialista argumenta que esse trabalho tem que ser feito com a população em forma de diálogo, baseado na reflexão de como os animais fazem parte do cotidiano. “Como vamos trabalhar com respeito e ética se temos uma visão de exploração do animal?”, provoca a especialista.

Adoção responsável exige critérios, enfatiza projeto

Ainda que a demanda para o resgate e a adoção de bichos abandonados seja grande, os projetos envolvidos com a causa costumam ser bem criteriosos quando vão definir quem será o novo tutor do animal. Em Fortaleza, o Projeto Bicho de Rua, criado em 2018 por um grupo de amigos, faz uma extensa entrevista com os interessados pela adoção. Em questionário, os pretendentes são perguntados sobre como pretendem alimentar o animal, assim como o que pretendem fazer caso o bicho acabe contraindo uma doença incurável.

A estudante Sinara Silva de Souza, uma das fundadoras da iniciativa, relata que muitas pessoas acabam desistindo da adoção quando veem as exigências, mas enfatiza que adotar um animal envolve várias circunstâncias e não se resume apenas a “querer e ir buscar”. Ela argumenta, no entanto, que o interesse e a concretização do processo não é benéfica apenas para aquele animal, mas abre espaço nos lares temporários para que novos bichos sejam resgatados e também encontrem uma nova família.

Em cartilha publicada em 2016, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) publicou uma série de orientações para as pessoas que querem adotar e conviver com animais domésticos. Os especialistas alertam, por exemplo, que os cães costumam apresentar alguns sinais antes de morder alguém, como ficar agachado e encolher a cauda. Eles ponderam ainda sobre as condições — financeiras e de disponibilidade de tempo — que as pessoas devem ter antes de tomar a escolha de conviver com um animal.

“Adotar um animal é uma decisão muito importante e deve ser muito bem pensada. Os cães requerem cuidados especiais como a disponibilidade para passeios periódicos. Também geram gastos como compra da alimentação, pagamento dos cuidados com a saúde como a vacinação, controle de pulgas e carrapatos e consultas ao médico veterinário. Ao adotar um cão, você assume a responsabilidade de atender a todas as necessidades do pet”, lembram os autores na publicação.

A ativista Ana Cláudia Leimig lamenta que as pessoas ainda enxergam um animal como um objeto e não como um ser vivo. “No início da pandemia, muitas pessoas se sentiram muito carentes e encontram companhia em um animal... Mas depois desistiram e começaram a descartar. Há relatos de pessoas que dizem que soltam o bicho na rua porque dizem que ele vai conseguir um lar, mas não é assim. Isso é uma loteria, o animal tanto pode conseguir uma nova casa como pode ser atropelado na próxima esquina”, pontua.

Detran já resgatou mais de 2 mil animais em rodovias cearenses em 2021

Equipes especializadas realizam ações, diariamente, com o objetivo de preservar vidas e evitar acidentes.
Equipes especializadas realizam ações, diariamente, com o objetivo de preservar vidas e evitar acidentes. (Foto: Divulgação/Romário Pinheiro/Detran)


Total de 2.027 animais, sendo a maioria de jumentos, foram recolhidos pelo Departamento Estadual de Trânsito Ceará (Detran-CE) em estradas cearenses até o dia 20 deste mês em 2021. Além dos casos de abandono, o órgão ressalta que os animais acabam soltos na via por falta de precaução dos seus proprietários. “Eles soltam seus animais para pastarem nas margens das vias e não tomam os cuidados necessários. Por isso, muitos acabam fugindo ou desaparecendo”, ressaltou em nota a servidora do Detran-CE Sabrina Milly Chaves.

Após fazer o resgate, que também objetiva evitar o risco de acidentes nas estradas, os animais são encaminhados para os currais do Detran-CE e ficam disponíveis para retirada dos proprietários por um prazo de sete dias úteis. Caso o animal não seja resgatado, o órgão o encaminha para uma fazenda, onde ele recebe os cuidados necessários e pode ser destinado a ações sociais filantrópicas cadastradas no Interior do Ceará para consumo humano.

Diante de estatísticas como essa e do número de jumentos que seguem sendo usados em carroças na região do Cariri, Ana Cláudia Leimig também resolveu incentivar a adoção dos animais pelas redes sociais do projeto que lidera. Por que não termos jumentinhos como mascotinhos?! São inteligentes, amáveis e bastante carinhosos. Agora, a Cacau está livre dos maus tratos e das terríveis carroças!”, defendeu.

As ameaças a jumentos brasileiros, considerados nossos “irmãos” em letra de Luiz Gonzaga, também enfrentam números crescentes de exportação para a China. Em 2018, por exemplo, foram exportadas 226,4 mil toneladas de jumentos — equivalente a R$ 22 bilhões em negociações com o país asiático. De acordo com investigação do portal El País, o principal interesse é no couro do animal, que serve como matéria prima para a Medicina e cosméticos chineses. A carne é um subproduto consumido no norte do país.

Protetores independentes se doam para salvar animais

Seja por meio de ditados populares ou convicções espirituais e religiosas, todo mundo já ouviu falar de que cada um tem uma “missão na vida”. Alguns se encontram na luta pela alfabetização na idade certa, outros têm a Medicina como um dever pessoal, uma parcela distinta briga pelos direitos de minorias sociais… Motivos para perseguir um objetivo não faltam e a causa animal não é diferente. O POVO conversou com pessoas com histórias de vida diretamente ligadas aos bichos e dedicadas ao resgate de animais abandonados. Confira a seguir:

Um alívio para o coração e a mente

Natália se envolveu com o ativismo após experiências na universidade.
Natália se envolveu com o ativismo após experiências na universidade. (Foto: Arquivo pessoal)


Além da satisfação pessoal, cuidar de animais abandonados é um remédio para a mente da engenheira química Natália Aragão, 27. A rotina com medicamentos para dormir e controlar a ansiedade acabou quando ela começou a cuidar dos “pequenos”. “Quando comecei melhorei muito, tive alta do psiquiatra e fiquei 100% livre de medicação. Dá trabalho, a gente sofre muito, mas a recompensa não tem preço”, compartilhou.

Com um cômodo da casa destinado só aos cuidados com os animais, Natália conta que o amor pelos bichos já vem dos pais, que também dão muito amor aos que ela resgata e leva para casa. Ela conta que no caso de filhotes muito pequenos há um tratamento especial, em um um quarto com tela, que não permite que os bichos fujam e voltem para a rua.

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A estrutura para isso, no entanto, exige uma organização financeira bem rigorosa por parte dela. “Eu tenho um controle e planejamento muito grande, com muitas planilhas e cálculos! Tenho um valor separado todo mês pra gastar com eles e fico atenta para aproveitar as promoções de sachê, ração etc. Também mantenho uma reserva de emergência para os animais e caso precise usá-la eu passo um tempo sem resgatar até recuperar”, explica.

A forma de buscar pessoas para adotar — de forma responsável — os animais também é um capítulo à parte. Com uma ring light, equipamento comum entre os influencers para garantir a qualidade de suas fotos e vídeos, a protetora garante uma boa iluminação dos registros dos animais. “Eu encho os animais de pedrinhas, vestidos, gravatas… as pessoas adoram e a adoção fica muito mais fácil”, conta Natália, que considera as redes sociais e os sites de anúncios classificados importantes aliados nessa hora.

Quando o ativismo vira lei

Além de cães e gatos, a ativista Jacqueline Gouveia também incentiva a adoção de outros animais, como os jumentos.
Além de cães e gatos, a ativista Jacqueline Gouveia também incentiva a adoção de outros animais, como os jumentos. (Foto: David Morais)


Após mais de 30 anos dedicados à causa animal, a ativista Jacqueline Gouveia resolveu levar sua luta de tantos anos para um novo lugar: a Câmara de Vereadores de Juazeiro do Norte, principal município do Cariri cearense. Eleita como parlamentar mais votada em 2020, Jacqueline diz que entrou na política para lutar por uma sociedade com menos “atrocidades” e promete não “perder sua essência por nada”.

Ela relata que quando não tinha um cargo eletivo, buscava vereadores de sua Cidade para apresentar projetos e percebia uma “falta de respeito” com a causa que defende. “Eu estava ali pelo direito dos animais, mas percebi que não iria para canto nenhum e não conseguiria engrandecer o movimento da causa animal. Então resolvi aceitar a proposta e me candidatar”, conta a vereadora.

Apesar de considerar que a causa animal esteja ganhando espaço político em todo o Brasil, ela lamenta que ainda há muita relutância dos gestores para aderir a projetos que defende e cobra um olhar mais “sensível” por parte dos governantes. “Eles acham que vão gastar demais, mas a saúde animal envolve também saúde humana. Quanto mais animais doentes, maiores são as chances das pessoas também se contaminarem”, argumenta.

Uma recente iniciativa da vereadora que teve apoio do Executivo municipal foi o início das atividades do Castramóvel na Cidade, veículo adaptado para castração de cães e gatos. A parlamentar ainda cobra que outros projetos que apresentou também sejam recebam mais atenção, como o que chamou de “Cavalo de Lata”, que propõe que carroças puxadas por tração animal sejam substituídas por força motorizada.

Ativismo sem hora nem lugar

Ana Teresa sempre teve a companhia de animais em sua vida.
Ana Teresa sempre teve a companhia de animais em sua vida. (Foto: Arquivo pessoal)


“Eu não tive muito tempo para curtir minha juventude porque estava sempre resgatando bichos. Feriado, fim de semana, Carnaval… Não tinha dia, era a qualquer hora”, essa é a história da ativista Ana Teresa Mattos, que desde 1987 começou na luta pela causa animal e nunca mais parou. “Não me arrependo de nada, acho que ajudei muito e continuo fazendo tudo da mesma forma”, enfatiza.

Entre os episódios, ela já chegou a pular muro para salvar um animal que estava sofrendo maus-tratos e disse que em diversas situações levou a polícia até o local onde os bichos estavam sendo desrespeitados. Chegando a conviver durante a vida com mais de 100 gatos em casa, Mattos foi uma das pessoas que ajudou a trazer a União Internacional Protetora dos Animais (Uipa) para o Ceará, associação civil pioneira na luta pelos direitos de animais no Brasil fundada em São Paulo em 1895.

Hoje, ela reclama que as pessoas continuam tratando os animais como objetos e não tem respeito pela vida dos bichos, ainda mais para os animais de produção, como as vacas, frangos e porcos. “Aumentamos muito o consumo de carne e observamos que não há ética nem na criação e nem na forma de abate. Não importa se o animal sofre, se o animal sente alguma coisa… As pessoas só conseguem avaliar o lucro”, lamenta.

Serviço

Veja onde adotar animais no Ceará de forma responsável

  • Projeto Bicho de Rua (Fortaleza)

Instagram: @projetobichoderua

  • ONG Abrace (Fortaleza)

Instagram: @ong.abrace

Facebook: @AbraceUmaCausaAnimal

WhatsApp: (85) 98812-8654

  • Lar Brilho Animal (Cariri)

Instagram: @larbrilhoanimal

opovo.com.br

05.05.2021