De acordo com a decisão da 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza, relação entre um motorista de aplicativo e a empresa Uber se enquadra como vínculo empregatício.
Autor Samuel Pimentel
Uma decisão da 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza reconheceu como vínculo empregatício a relação entre um motorista de aplicativo e a empresa Uber. Na sentença, o juiz do trabalho Vladimir Paes de Castro entende que as partes mantinham um relacionamento profissional que caracterizava trabalho intermitente. A decisão cabe recurso.
De acordo com o Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT-CE), a decisão anulou o contrato de parceria/prestação de serviços e condenou a plataforma de tecnologia a anotar a carteira de trabalho no período entre no período de março de 2018 a abril de 2021. E a pagar verbas rescisórias, considerando que o trabalhador foi desligado sem justa causa e sem direito à ampla defesa além de indenizar o trabalhador em R$ 5 mil por danos morais, em razão da dispensa arbitrária e por infringir a Lei Geral de Proteção de Dados.
Segundo o juiz, esse tipo de contrato seria uma nova forma de exploração de mão de obra, em que o suposto prestador de serviço, no caso o motorista, não tem nenhum benefício e não possui liberdade contratual.
“Trata-se, em regra, de trabalhadores subordinados como outro qualquer, submetidos aos direcionamentos da empresa digital, trabalhando muitas horas diárias em favor da plataforma, sobrevivendo de seu labor como motorista de aplicativo, cuja atividade econômica é toda ela gerida pelo algoritmo”, ressaltou.
Nos autos, a Uber alegou ser "mera facilitadora do encontro do prestador de serviço com o passageiro". Ainda de acordo com a empresa, o fato de o motorista receber maior percentual do valor pago pelo cliente (entre 75% e 80%, segundo a empresa) descaracterizaria o vínculo empregatício.
“Logicamente que o percentual maior deve ser destinado ao motorista, que além de prestar o labor, em regra, de forma subordinada, trabalhando dezenas de horas semanais, ainda tem que arcar com todos os custos relacionados ao fornecimento do veículo”, afirmou o magistrado na sua decisão em resposta à alegação da empresa.
O que diz a Uber
Procurada por OPOVO, a Uber disse que pretende recorrer da decisão que considera um "entendimento isolado e contrário ao de outros processos já julgados por Tribunais Regionais e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) - o mais recente deles em novembro de 2021".
"Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 2.500 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma", informa a empresa em nota.
Reforça ainda que os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo.
"Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima."
A empresa diz que o TST já reconheceu, em cinco julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Dentre estes, o de novembro de 2021, no qual a 4ª Turma afastou o vínculo sob o entendimento de que motoristas trabalham "sem habitualidade e de forma autônoma" e que não existe "subordinação jurídica entre o aplicativo e o trabalhador".
Jurisprudência
A justiça do trabalho cearense não é a primeira a entender que há vínculo trabalhista entre motoristas e empresas de app de transporte. Decisões parecidas foram tomadas em países europeus, o que criou uma jurisprudência internacional, a partir dos exemplos da Alemanha, Holanda e Reino Unido.
Essa nova jurisprudência entende que se trata de uma nova forma de exploração do trabalho humano, no contexto da chamada Indústria 4.0. O Tribunal de Justiça da União Europeia já reconheceu que a atividade econômica primordial da Uber é a prestação de serviços de transporte, e não de uma plataforma de economia compartilhada.
opovo.com.br
23.07.2022