Vídeo da audiência na qual o juiz revitimiza mulheres foi divulgado em primeira mão pelo Diário do Nordeste.
Escrito por Emanoela Campelo de Melo e Luana Barros
O presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), desembargador Abelardo Benevides Moraes, disse à imprensa que o 'Tribunal tomará as medidas adequadas', se referindo às falas em audiência do juiz Francisco José Mazza Siqueira, divulgadas em primeira mão pelo Diário do Nordeste.
[ATUALIZAÇÃO às 18h37]
Por nota, o TJ afirmou que a Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará abriu "sindicância para apurar os fatos relacionados à atuação de juiz. A decisão constará em portaria que será publicada no Diário da Justiça de hoje. Além disso, o caso está sendo analisado pelo órgão correcional para avaliação de aplicação de outras medidas cabíveis".
Ainda na tarde desta segunda-feira (7), dia em que o TJCE recebe a 'Jornada Lei Maria da Penha', o desembargador foi questionado pela imprensa acerca da atitude tomada por Francisco Mazza enquanto ouvia vítimas e depoentes de crimes sexuais, na região do Cariri, Interior do Ceará.
"Eu não estou aqui pré-julgando esse caso. Tomei conhecimento desse fato hoje bem cedo, me passaram antes das 7 da manhã. Passei para a nossa corregedora que trata dessa matéria, que está cuidando disso. O Tribunal nos próximos dias tomará as medidas adequadas", disse Abelardo Benevides.
"A corregedora não sabia ainda. O Tribunal nas próximas horas, com equilíbrio, com parcimônia, com a visão de pessoas que têm responsabilidade, irá tomar medida apropriada. A corregedora pode tomar imediatamente qualquer medida, como abrir sindicância e apresentar ao Tribunal para chancelar ou não".PRESIDENTE DO TJCE
O presidente do Poder Judiciário estadual falou ainda que "em todas as instituições têm pessoas que desbordam das suas atribuições" e que "nós temos 474 magistrados no Estado do Ceará. Um ou outro, mais cedo ou mais tarde, até por falta de qualificação em todos os sentidos, emocional, vocacional...".
[ATUALIZAÇÃO às 21h14]
A abertura da sindicância foi publicada no Diário da Justiça. No documento há indicação que a Comissão Sindicante conclua os trabalhos no prazo de 30 dias.
Ainda segundo a publicação oficial, o juiz Mazza teria supostamente violado deveres impostos no Código de Ética da Magistratura Nacional e no Código de Processo Penal, dentre eles:
Art. 400-A. Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas
Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça.
Art. 37.Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento do magistrado, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária de qualquer pessoa ou instituição.
'QUEM ACHA QUE MULHER É BOAZINHA?'
No último dia 26 de julho, 10 mulheres estavam no Fórum de Juazeiro do Norte, Interior do Ceará, prontas para participarem da audiência da ação cível com pedido de indenização a partir dos crimes sexuais cometidos por um médico. Foi um ano e meio de espera até que o juiz as chamassem para ser ouvidas. Em poucas horas, a sessão se "tornou um circo de horrores".
Das 9h às 13h, as mulheres estiveram na presença do juiz Francisco José Mazza Siqueira. O que elas não esperavam era, naquele momento de 'vulnerabilidade', ser revitimizadas, desta vez, segundo denunciantes, pelo próprio magistrado.
Em determinado momento da sessão, uma das depoentes ouviu o magistrado dizer: "tinha aluna que chegava se esfregando em mim...esfregando a vagina em mim… aqui não tem criança, aqui é todo mundo adulto... e dizia professor não sei o que... E eu dizia: minha filha é o seguinte: quando eu deixar de ser seu professor, você faça isso aqui comigo".
Na última semana, quando questionado sobre as denúncias, o TJCE disse que “não tomou ciência, até o momento, de qualquer reclamação disciplinar para apurar os fatos narrados. Todas as denúncias ou reclamações relacionadas à atuação de juízes, submetidas à Corregedoria-Geral da Justiça, são devidamente apuradas”.
Já a Associação Cearense de Magistrados (ACM) afirma “que repudia quaisquer ações misóginas ou condescendentes com assédio sexual e/ou moral de gênero” e “considera, contudo, não ser prudente, nem oportuno, desde logo, imputar responsabilidade ao magistrado, sem análise de todo o contexto da situação apontada e antes mesmo de uma eventual apuração de sua conduta funcional pelos órgãos competentes, especialmente em razão da absoluta excepcionalidade do que restou noticiado”.
A ACM diz ainda esperar “que o episódio seja devidamente esclarecido, em resguardo aos interesses das pessoas envolvidas e da própria Instituição da qual faz parte o magistrado”.
'DEPOENTES QUISERAM DESISTIR DA AÇÃO'
Aécio Mota, advogado das vítimas, diz que a audiência "mais pareceu um circo de horrores". A acusação acredita que o "juiz desdenhou do comportamento das mulheres" e não se espantou quando terminada a sessão, "depoentes quiseram desistir da ação".
"Na audiência, em vários momentos o juiz menosprezou o comportamento das mulheres nos dias atuais, insinuando que as mulheres atualmente também são culpadas pelo comportamento de homens abusivos. Esbanjou machismo e desdenhando das vítimas de violências sexuais. O que se mostrou em audiência foi um total desrespeito e desconsideração de todo o trauma causado pelas violências que aquelas mulheres já tinham sofrido, principalmente por um Juiz, que deveria se referir de maneira respeitosa àqueles presentes na audiência", disse Aécio Mota.
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08.08.2023