Hoje tem palhaçada? Tem sim, senhor! Por diversas gerações, a arte do
circo tem encantado públicos de todas as idades. Apesar dos desafios, as artes
circenses continuam a desempenhar um papel vital na cultura brasileira e global
- mesmo diante de inúmeras e constantes mudanças culturais e tecnológicas. É o
que pensa a artista Sâmia Bittencourt. Ela afirma jamais imaginar que sua
profissão de palhaça um dia sairá de cena: “Não vejo um fim. Nunca vi, senão
não estaria há 30 anos na profissão”.
Além de
proporcionarem entretenimento e diversão, os espetáculos circenses também
promovem a inclusão social, a criatividade e o desenvolvimento de habilidades
físicas e cognitivas. Mesmo assim, os poucos números disponíveis sobre o tema
não são animadores para a atividade. De acordo com dados da Associação
Brasileira do Circo (Abracirco), em 2023, havia cerca de 800 circos funcionando
pelo Brasil, com aproximadamente 80% deles mantidos por famílias, pequenos
empreendedores do ramo.
Diante da
incerteza do futuro, é fundamental apoiar e valorizar os artistas que ainda
persistem vivendo dessa manifestação cultural, garantindo ainda que as gerações
futuras possam continuar a se maravilhar com sua magia. Para contextualizar
esse momento de transição, confira, a seguir, entrevista com a palhaça Sâmia
Bittencourt, que em maio fará parte da agenda cultural do Sesc Ceará com o
espetáculo “Um Tiquinho de Nada”, da trupe do Circo Lúdico Experimental, no
Sesc Fortaleza. Ela discorre sobre suas agruras e dificuldades - como o fato de
ser mulher nessa atividade -, mas não deixa de traçar perspectivas de esperança
para essa linguagem artística:
- Não obstante as dificuldades, que sabemos
serem muitas para quem trabalha com cultura, e em especial artes cênicas, ali,
na hora de o artista circense subir ao palco, ocupar a praça ou o picadeiro,
você considera que ficou mais difícil ou mais fácil encantar um público, que
hoje já não é o mesmo de décadas atrás, num momento, digamos, mais
"analógico" de consumo? Conte como você vê essa mudança.
SB: Há
dois anos fiquei em cartaz, aqui em Fortaleza, com um espetáculo de palhaçaria.
E percebi que a criançada, hoje, não tem mais paciência para o tempo que a
palhaça, no caso eu, gasta para executar suas ações. A palhaça meio atrapalhada
(em cena), e as crianças sempre resolviam antes de a palhaça realizar o
desfecho. Então percebi que o público infantil - imagine os adultos - prefere o
lugar do instante, do rápido, do TikTok, e isso dificulta um pouco. Ao mesmo
tempo, penso que ainda há essa troca, tanto na rua como nas praças ou no palco.
Nós, seres humanos, ainda gostamos muito da poesia, do poético, do que não
existe nesse instante da internet, das redes sociais. Ainda vejo olhares
brilhando, seja de criança, de adulto, de adolescente… o que às vezes é mais
difícil, pois o público infantojuvenil, às vezes, é bem mais delicado. Mesmo
assim, o encantamento ainda existe. Isso me deixa tranquila, porque a gente
está lidando, de fato, com uma era tecnológica muito rápida, que o corpo não
acompanha, e aí é na arte que o público se apega para apegar-se em si mesmo,
para não se perder nessa loucura que é o tempo do hoje.
- Apesar dos desafios, as artes circenses
continuam a desempenhar um papel vital na cultura. Além de proporcionarem
entretenimento e diversão, elas também promovem a inclusão social, a
criatividade e o desenvolvimento de habilidades físicas e cognitivas. Diante da
incerteza do futuro, é fundamental apoiar e valorizar esses artistas,
garantindo que as gerações futuras possam continuar a se maravilhar com a magia
do circo. Na sua opinião, qual a melhor forma de oferecer esse incentivo? E
como o Sesc se encaixa nessa questão?
SB: Hoje
em dia a arte circense se expandiu, saiu de dentro das lonas coloridas e foi
para o cinza do asfalto. Foi para a praça, para outros lugares. Isso expandiu o
olhar também de ver a arte circense. Penso que cada vez mais é necessário
incluir essa arte dentro de formações, dentro dos espaços culturais da cidade,
dentro dos incentivos governamentais. É deturpado esse olhar de que se tenho um
circo de lona, já tenho dinheiro garantido. É o contrário. Os circos de lona
estão na periferia, onde menos se ganha dinheiro. Há espetáculo todos os dias.
Para quem está em outros espaços fazendo a linguagem circense, hoje, está mais
fácil circular. Penso que, em se tratando de Sesc, quanto mais incentivo
existir em relação a oficinas, encontros, mostras, festivais, destinados ao
artista circense, a coisa vai se expandir. É mais difícil ter um retorno
financeiro em outros lugares. São esses equipamentos e lugares que conseguem,
de alguma forma, colocar o circo nas suas programações que fazem com que a
gente permaneça vivo com essa arte.
- Como você vê a profissão de palhaço daqui
a alguns anos? Acha que haverá sempre um celeiro de novos palhaços? Está
pessimista ou otimista?
SB: O
tempo novamente nos atravessa aqui. Nunca questionei a minha arte. Faz
exatamente 30 anos que escolhi essa profissão. Três anos depois, quis ser
palhaça. Num momento em que só havia eu mesma como referência de comicidade.
São muitos homens palhaços, mas mulheres eram quase nada, não tinha muita
referência. Então, se estou há tanto tempo fazendo o que faço, é porque sempre
acreditei. E penso que vai ter sempre oportunidade e espaço para nossa arte.
Dia desses estava fazendo espetáculo e uma criança chegou bem pertinho de mim,
eu de palhaça, e comentou: ‘ah, você já está com cabelo branco!’ Achei muito
bonito, porque estou envelhecendo, mas vou continuar em minha trajetória
fazendo palhaçaria. Sinto, de fato, que vim a este mundo para alegrar, para fazer
sorrir, e, ao mesmo tempo, minha alma sorri junto. Consigo vencer as barreiras
que tenho enquanto artista sem emprego fixo; que vende, que faz sua produção,
sua propaganda, seus projetos, que pensa figurino, que pensa tudo, né? Não vejo
um fim, nunca vi, senão não estaria há 30 anos na profissão. Qual a profissão
que não tem desafios, né? Mas ser autônoma enquanto artista é um desafio muito
maior, no que diz respeito à organização, à administração da sua vida
financeira, e à influência de sua arte. Mas nunca vou desistir dela.
Confira mais detalhes sobre a agenda cultural do
mês de maio do Sesc Ceará em:
www.sesc-ce.com.br