Comunidade de Salgado dos Mendes, em Forquilha, já produziu mais de 30 filmes em quase 20 anos.
O idealizador dessa história foi o agricultor, líder comunitário, produtor cultural e cineasta Josafá Ferreira Duarte, 64, há quase 20 anos. Em 2006, ele passou a incentivar a arte da dramaturgia na comunidade, mesmo sem conhecimento técnico. “É um cinema popular que é feito sem a formação acadêmica”, disse ele, em entrevista à reportagem do Diário do Nordeste, que esteve no local no fim de janeiro.

Ainda assim, o trabalho compensa. Em 2015, a produção “Cadê meu zóculos?” venceu o Festival de Cinema de Jericoacoara. Conforme a sinopse, “em Barro Vermelho, só ganha eleição quem compra voto; aqui se troca voto por óculos, dentaduras, pagamento de água e luz atrasada, promessas de empregos…”.
Dois anos depois, após aprovação da Assembleia Legislativa, o então governador Camilo Santana sancionou a lei estadual nº 16.266/2017, reconhecendo Forquilha como “a capital cearense do cinema popular”. “Um feito inédito”, comemora Josafá.
Já em 2019, a comunidade virou tese de doutorado na Universidade Federal de Goiás (UFG) a partir do trabalho “Josafá Duarte e o Cinecordel: O Cineasta Cabra da Peste Contra o Dragão de Roliúdi”, do pesquisador em arte e cultura visual Paulo Passos de Oliveira.
Segundo Josafá, com essa trajetória, não há mais câmera que intimide os salgadenses.
“Hoje virou já virou comum, né? Aqui a comunidade tem em torno de 500 habitantes, e acho que numa faixa de uns 400 já participaram. Todos, do pequeno ao mais velho”, conta. “Pode chegar aqui uma equipe da Globo que o pessoal não se envergonha, já estão acostumados com esse dia a dia da nossa gravação”.

Entre os filmes produzidos em Salgado dos Mendes, estão:
- Os malas e os trouxas
- Santeiro Luminoso contra o santo do pau oco
- O homem que queria enganar a morte
- A espiã que amava Forquilha
- Forquilha sob ameaça química
- O homem da mala preta
- O mistério da Lagoa dos Melos

Início da produção
Os curtas-metragens, em sua maioria, são sátiras ficcionais com o objetivo conscientizar politicamente a população sobre direitos e deveres. Por meio da comédia, Josafá explica que promove reflexões sobre a relação entre eleitores, autoridades e “o sistema”. No entanto, isso não impede o desenvolvimento de argumentos sobre o meio ambiente, como desmatamento e poluição.
Esses temas partem da própria história de Josafá. Ele se mudou com a família para Fortaleza, no fim da década de 1970, e se envolveu com o movimento de bairros e favelas. Em contato com a liderança social, passou a integrar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Após ser ameaçado de morte por latifundiários em uma ocupação na cidade de Pentecoste, ele decidiu retornar a Salgado dos Mendes. No pequeno povoado, se deparou com diversas irregularidades eleitorais, como compra de votos e garantia de emprego para apoiadores das gestões no poder.
Daí veio a ideia de utilizar a arte como “denúncia e instrumento de luta popular”. A base já tinha: na capital, havia participado de um grupo de teatro popular no bairro Parangaba. Aos poucos, ele foi convencendo pessoas próximas a participar das produções filmadas.

Em paralelo, o cineasta começou a escrever um pequeno jornal chamado “Sociedade Salgadense”, definido como “uma maneira da gente começar a divulgar e reivindicar as melhorias para a comunidade”.
“Por ser um lugar muito pequeno, era muito explorado politicamente, entendeu? A turma queria mesmo só os eleitores… pegou o voto e vai embora. Como eu já tinha essa vivência nas lutas sociais, resolvi usar esse meu conhecimento para defender a comunidade”, alega.
Apoio para as gravações
No início, Josafá não tinha câmera. Precisou pedir emprestado a conhecidos de Sobral e da sede de Forquilha. Aos poucos, as produções saíram de Forquilha e ganharam até outros Estados. Elas também despertaram o interesse de Rosemberg Cariry, reconhecido cineasta cearense que procurou Josafá para conversar sobre o cinema de origem popular.
Cariry chegou a oferecer aparelhos de sua produtora para proporcionar melhor qualidade aos filmes, mas sem se intrometer no tema ou direção. Como resultado, veio “Cadê meu zóculos?”, justamente o premiado em Jericoacoara.
Nos últimos anos, o cinecordel de Forquilha também foi beneficiado com apoio financeiro das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo. Hoje, munido apenas de uma “maquininha que não é profissional” e um computador, a perspectiva é continuar. “Vamos fazer uma fundação cultural aqui, e lá vai ter um estúdio de gravação para os filmes”, adianta Josafá.

Em 2023, por sua contribuição, o cineasta foi um dos cinco homenageados com o Troféu Eusélio Oliveira na 33ª edição do Cine Ceará - Festival Ibero-americano de Cinema. Neste mês, ele também será personagem de um episódio da websérie “Nós no Batente”, produzido pelo Hub Cultural Porto Dragão, vinculado à Secretaria da Cultura do Ceará (Secult).
“Os filmes já foram exibidos na Alemanha, em Portugal, no Uruguai… Quer dizer, pegou uma proporção bem interessante”, diz Josafá. “Acho que isso é que tem chamado atenção do Ceará e do mundo lá fora: a gente faz um cinema popular voltado para as realidades locais, para a política local”.
Parte dos filmes pode ser vista no canal do Forquilha CineCordel no YouTube.
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Cariri Ativo
05.02.2025