Quando se trata de figuras públicas, o retorno de uma relação conjugal marcada por agressões transcende o foro íntimo e ressoa no coletivo.
A vida amorosa de celebridades raramente merece a atenção que recebe. Não raramente, a curiosidade do público transforma a intimidade dos famosos em novelas, desumanizando aqueles que, por trás das câmeras, do sucesso e do dinheiro, permanecem sendo humanos – por vezes, dilacerados; por vezes, ávidos por serem amados em seus cotidianos, sem filtros, flashes ou performances.
No entanto, quando um episódio de violência doméstica envolve figuras públicas, a esfera privada se dissolve, dando lugar a um debate de interesse coletivo. A violência doméstica não é um mero drama pessoal, é uma questão de saúde pública, um reflexo de estruturas sociais e culturais.
Assim, a extensa exposição de imagens e vídeos de Dj Ivis agredindo sua ex-esposa e mãe de sua filha, Pâmella Holanda, causou comoção nacional em 2021. No entanto, nesta semana, três anos após a veiculação das imagens que chocaram o país, a reconciliação do casal foi noticiada.
Não se pode negar que quando se trata de figuras públicas, o retorno de uma relação conjugal marcada por agressões, transcende o foro íntimo e ressoa no coletivo. As consequências desta reconciliação reverberam na sociedade, não se limitam à dinâmica familiar do casal, uma vez que colocam em xeque anos de conscientização popular a respeito da violência de gênero e, por isso, para além de uma fofoca de celebridades, de um julgamento sobre os indivíduos envolvidos, a reconciliação entre agressor e vítima merecem um espaço de reflexão.
O que esta reconciliação comunica às mulheres vítimas de violência? O que diz às crianças que vivem no mesmo ambiente de pais agressores? Quando o agressor e a vítima posam juntos, como ensinar às meninas que certos limites são inegociáveis e devem ser respeitados? A volta do casal não relativiza a gravidade da violência? O quanto esta reconciliação pode simbolizar, para o grande público, a perpetuação do ciclo de violências?
A romantização desta reconciliação pode converter a solidariedade outrora prestada à vítima em indignação e torná-la, mais uma vez, vítima de violência, mas desta vez, do grande público – é preciso ter, então, cautela para nós mesmos não perpetuarmos a violência.
A complexidade da escolha da vítima em reatar com seu agressor pode escapar à nossa racionalidade. O público não possui todos os elementos para julgar tal decisão, mas o suficiente para se sentir ultrajado em suas crenças. Também não passa despercebido do público que a decisão judicial que condena o agressor (coincidentemente, ou não) veio a público na mesma semana do anuncio da reconciliação - o que adiciona uma camada a mais de complexidade ao episódio.
A coincidência temporal foi um mero acaso? Há alguma estratégia jurídica subjacente? Não sabemos. Desconhecemos os reais motivadores que levaram o casal a se reconciliar. O retorno da relação diz de uma decisão autônoma de ambas as partes ou é mais um capítulo de um ciclo de violência? Podemos acreditar na redenção de um agressor, em seu arrependimento genuíno, ou é mais sensato manter nossos pés fincados no chão diante da notória reincidência nos casos de violência doméstica? Não sabemos.
Os pontos de interrogação permanecem e geram incômodo. O público oscila entre o desejo de punição e uma esperança de mudança. O retorno de uma vítima ao seu agressor não merece ser celebrado, ainda que, talvez, a mudança pessoal seja possível. Diante de tantas dúvidas sobre o caso, nos resta uma certeza – nossa responsabilidade de continuar questionando sobre o comportamento humano e suas consequências para a sociedade.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora
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Cariri Ativo
13.03.2025