Menos nascimentos e primeiro filho após os 35: mudanças registradas no Ceará refletem tendência mundial - Cariri Ativo - A Notícia Com Credibilidade e Imparcialidade
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Menos nascimentos e primeiro filho após os 35: mudanças registradas no Ceará refletem tendência mundial

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Legenda: Entre 2014 e 2023, Ceará registrou cerca de 18 mil mulheres que tiveram o primeiro filho aos 35 anos de idade ou mais
Foto: Rodrigo Gadelha

Proporção de bebês nascidos de mulheres com 35 anos ou mais no Ceará aumentou 33,6%, passando de 14,6 mil em 2014 para 19,5 mil em 2023.


Escrito por
Gabriela Custódiogabriela.custodio@svm.com.br


Foi aos 35 anos que a advogada Lariza Montenegro Bandeira começou a tentar engravidar. Como outras mulheres, ela decidiu adiar a gravidez até alcançar mais estabilidade na carreira. Formou-se aos 29 e começou a fazer exames de rotina aos 33, preparando-se para se tornar mãe. Aos 37 ela soube que esperava a primeira filha, Luna Maria.

A vinda da menina foi celebrada como uma vitória, após duas perdas gestacionais e o diagnóstico de uma deficiência genética na mãe que poderia levar a outras ocorrências. A experiência de Lariza, em 2022, está entre os quase 19 mil partos que ocorreram no Ceará naquele ano em que a mãe tinha mais de 35 anos (17% do total). É como se, a cada seis nascimentos, em um deles a mãe estivesse nesse grupo etário.

Diário do Nordeste analisou os registros do Ceará nos dados abertos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, entre os anos de 2014 e 2023 — período mais recente com informações consolidadas. Em todo o período, a maioria das mães tinha entre 20 e 34 anos na data do parto, mas os dados apontam para uma menor proporção de nascimentos com mães mais jovens e aumento naqueles com mães mais velhas.

Os achados, no Ceará, refletem uma tendência mundial de redução do número de filhos por mulher e de aumento da idade para ter o primeiro filho, conforme explica o médico ginecologista Marcelo Cavalcante, especialista em reprodução assistida e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor). Ele também destaca que estudos mostram aumento no número de casais com dificuldade para engravidar.

“Já existem alguns estudos que projetam que, no ano de 2100, a população mundial pode reduzir pela metade. A taxa de natalidade suficiente para ter uma reposição da população teria que ser de, no mínimo, 2,1 filhos por mulher. No Brasil, essa taxa de natalidade já está abaixo da taxa de reposição. Só em alguns países da África o número de filhos por mulher está acima, mas também com uma tendência de queda”, contextualiza Cavalcante.

O total de nascimentos no Ceará teve uma redução de 13,51% ao comparar os mais de 128,8 mil partos registrados em 2014 e os cerca de 111,4 mil em 2023, como mostra o gráfico abaixo. Os números absolutos de partos cresceram apenas entre os que as mães tinham 35 anos ou mais, que aumentou 33,6%, passando de 14,6 mil em 2014 para 19,5 mil em 2023.

Outro indicador que mostra essa mudança é o aumento da idade média das mães com o passar dos anos. No Ceará, ela passou de 25,8 anos em 2014 para 27,6 anos em 2023.


“Esses dados refletem muito bem a postura que a mulher tem assumido na família hoje em dia. Cada vez mais, a mulher decide investir na sua carreira profissional, mesmo que isso exija postergar o objetivo de ser mãe. Elas têm conseguido finalmente fazer isso”, pontua a ginecologista Cinara Eufrásio, supervisora do programa de residência médica em ginecologia e obstetrícia da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (Meac).

Em paralelo, as estatísticas também mostram que a proporção de partos entre jovens de 15 a 19 anos têm diminuído no Estado — assim como a parcela de nascimentos em meninas de até 14 anos, idade em que a relação sexual é caracterizada como crime de estupro contra vulnerável, segundo o artigo 217-A do Código Penal.

Para a ginecologista, essa redução da gravidez em adolescentes reflete um objetivo “importantíssimo” para a gestão de saúde, “que é focar nessas mulheres que realmente não estão no momento adequado para essa transformação na vida”.

Ela destaca o aumento da opção de métodos contraceptivos de longa duração como um avanço importante para permitir o planejamento familiar. “Não só tem aumentado a quantidade disponível, mas a disponibilidade, a divulgação, o incentivo e a aceitação por essa faixa etária de pacientes mais jovens”, afirma.

Riscos e possíveis intervenções

A base de dados do Sinasc também apresenta a quantidade de gestações anteriores da mulher no momento do parto. Considerando apenas os casos em que essa informação está presente, houve 394,6 mil nascimentos em que aquela era a primeira gestação ao longo de toda a década analisada. Em 18.084 deles (cerca de 5%), a mãe tinha 35 anos ou mais.

Também é possível perceber a variação em relação ao grau de escolaridade dessas mulheres que adiaram a maternidade. De 2014 a 2023, a proporção aumentou entre aquelas com 8 a 11 anos de estudo (ensino fundamental completo) ou pelo menos 12 anos de estudo (ensino médio completo). Por outro lado, houve redução entre as de menor escolaridade.

Ao mesmo tempo em que as mulheres, hoje, têm mais liberdade para priorizar a carreira ou outros planos antes de se tornarem mães, Cinara Eufrásio destaca que a decisão também traz alguns obstáculos. Isso porque, estatisticamente, fica mais difícil engravidar após os 35 anos em comparação a quando a mesma mulher era mais jovem. Mas não é impossível.

A gente precisa preparar aquela mulher pra ela entender que, uma vez que ela adia, ela provavelmente vai precisar de mais intervenção — mais exames, mais investigação, mais medicação — para conseguir o mesmo objetivo. Mas, apesar da dificuldade aumentada, com os avanços da reprodução humana, hoje em dia a gente também consegue atingir esse objetivo.
Cinara Eufrásio
Supervisora do programa de residência médica em ginecologia e obstetrícia da Meac

A gravidez em uma idade considerada avançada tem riscos, alguns mais contornáveis. Complicações como trabalho de parto prematuro, pré-eclâmpsia e diabetes gestacional, por exemplo, têm relação com a idade materna, mas é possível diagnosticá-las e intervir precocemente, explica a médica.

Por outro lado, ela afirma que intercorrências como as cromossomopatias são mais difíceis de contornar. “Com o avançar da idade, a gente sabe que é mais frequente filhos com alterações cromossômicas, como bebês com síndrome de Down (trissomia 21), síndrome de Edwards (trissomia 18) ou síndrome de Patau (trissomia 13). Tudo isso vai ficando mais comum, e a forma de evitar que isso aconteça vai ficando cada vez mais complexa”, afirma.

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Legenda: Técnicas de reprodução assistida, como fertilização in vitro, podem ajudar casais com dificuldade de engravidar e mulheres que decidem adiar a gestação
Foto: Yelena Temirgaliyeva/Shutterstock

Planejamento reprodutivo

Especialista em reprodução assistida, o médico e professor Marcelo Cavalcante explica que, do ponto de vista biológico, a melhor janela da fertilidade feminina seria entre os 25 e os 35 anos. Depois disso, começa a haver um “declínio considerável” da fertilidade e a aumentar o risco de perdas gestacionais e de complicações.

A idade compromete a fertilidade de homens e mulheres, segundo o médico, mas neles isso ocorre mais tardiamente. “A mulher não produz novos óvulos ao longo da vida, e eles vão diminuindo tanto em quantidade quanto em qualidade. E essa queda é bem acentuada depois dos 35 anos”, explica.

Nesse contexto, ele destaca que as técnicas de reprodução assistida, como fertilização in vitro e congelamento de óvulos, podem ajudar tanto os casais com dificuldade de engravidar e mulheres que decidem adiar a gestação. Também é possível realizar uma investigação genética do embrião, antes de ele ir para a cavidade uterina, para detectar alterações.

“Mulheres que vão tentar engravidar em uma idade bem avançada, algumas até na menopausa, é possível que ela engravide por meio de óvulos de doadoras. Você pode pegar óvulos de uma doadora mais jovem, utilizar o sêmen do parceiro e transferir esse embrião para a cavidade uterina dela. Isso também reduz bastante o risco de complicações genéticas”, afirma.

Antigamente, quando a gente falava em planejamento familiar, só se pensava em anticoncepção. Hoje, temos uma outra visão. É um planejamento reprodutivo, em que a anticoncepção vai entrar por um determinado período de tempo, em que ela não deseja engravidar naquele momento, mas que a reprodução assistida pode entrar auxiliando a mulher no seu planejamento reprodutivo.
Marcelo Cavalcante
Ginecologista, especialista em reprodução assistida e professor da Unifor

O médico destaca a necessidade de esses tratamentos serem mais acessíveis para que as mulheres tenham o poder da decisão de quando começar a ter filhos e quantos filhos deseja ter. “De certa forma, é mais acessível do que alguns anos atrás, mas ainda um pouco limitado. É mais acessível porque tem se divulgado mais, as mulheres têm tomado mais conhecimento a respeito, mas os custos financeiros ainda são uma barreira”, afirma.

Segundo informações da Agência Brasil, de 2024, existem 161 Centros de Reprodução Humana Assistida no País, dos quais dez oferecem o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esses equipamentos estão em sete cidades brasileiras — São Paulo, Ribeirão Preto, Porto Alegre, Brasília, Goiânia, Natal e Belo Horizonte.

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Legenda: A pequena Luna Maria é a primogênica dos advogados Jader Holanda Bandeira e Lariza Montenegro Bandeira. Menos de dois anos depois, nasceu José
Foto: Acervo Pessoal

A importância de cuidar da saúde mental

Após passar por duas perdas gestacionais antes de engravidar de Luna Maria, a advogada Lariza Montenegro Bandeira decidiu parar de tentar. Ela conta que passou por um momento difícil e entrou em depressão. Deixou de ir para o trabalho, não queria comer e só sentia vontade de dormir. “‘Por que eu engravidava e perdia? Por que isso acontecia comigo?’ A gente sempre se questiona”, lembra. Chegou um momento em que ela pensou que não iria conseguir ter filhos.

Em uma consulta, ela foi “praticamente desenganada” por um médico, que apontou baixa possibilidade de gravidez, inclusive com fertilização in vitro. “Foi quando ele tirou todas as minhas esperanças. Lembro que eu chorei na sala dele”, relata. Naquele dia, aos 37 anos, ela já esperava a primogênita e ainda não sabia.

A notícia foi comemorada por toda a família, e Lariza conta que toda a gestação foi saudável, mas marcada pelo medo de uma nova perda. Na semana do aniversário de um ano da menina, veio a desconfiança — depois confirmada — de uma nova gravidez. “O segundo filho não foi planejado. Eu tirei o anticoncepcional, porque achei que a primeira já tinha sido um milagre e eu não engravidaria novamente”, relata. Hoje, Luna Maria tem 2 anos e 3 meses, e José, sete meses.

A mudança no perfil etário das mães reflete transformações sociais, com mais acesso à educação e ao mercado de trabalho, além dos avanços na reprodução assistida. Também existe mais conscientização sobre os desafios da maternidade, aponta a psicóloga clínica e perinatal Thalita Ruth de Oliveira, certificada pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).

Porém, apesar de muitas vezes a maternidade ser vivida com “mais maturidade emocional e estabilidade financeira”, a decisão é acompanhada por novos desafios, tanto biológicos quanto emocionais. Por isso, ela destaca a importância de ter acompanhamento médico e psicológico.

Algumas questões que surgem entre as mulheres que buscam Thalita nesse contexto são a ansiedade e o medo em relação aos riscos obstétricos; o impacto da maternidade na vida profissional; e a pressão social e familiar para engravidar. Além disso, a psicóloga afirma que, com demora no processo e após algumas tentativas sem resultado, também existe medo da infertilidade e sentimento de culpa por não ter priorizado a maternidade antes.

“A pressão do relógio biológico e o medo da infertilidade podem gerar altos níveis de ansiedade. Se essa paciente decidir por um tratamento de reprodução assistida, tem um impacto emocional importante. Mulheres após os 35 anos demonstram um medo maior de terem um filho com síndromes e transtornos, além dos medos de intercorrência durante a gestação”, afirma a psicóloga.

Algumas estratégias para cuidar do emocional, segundo a psicóloga Thalita Ruth de Oliveira, são:

  • Buscar informações com especialistas sobre fertilidade e riscos, evitando  alarmismos;
  • Criar uma rede de apoio sólida, seja com familiares, amigos ou grupos terapêuticos;
  • Cuidar da saúde mental desde a pré-concepção. A psicologia perinatal é a área da psicologia que se dedica à maternidade;
  • Manter um estilo de vida saudável e momentos de autocuidado.

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31.03.2025