Justiça já emitiu quase 200 mil decretos de proteção somente em 2025; para vítimas e especialistas, documento não se resume a um pedaço de papel.
Somente nos primeiros meses de 2025, quase 200 mil medidas protetivas foram concedidas no Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Outras 21 mil foram prorrogadas, quando a mulher segue se sentindo insegura de não ter a Justiça a acompanhando.
Cleide Silva é uma dessas mulheres que pediram a prorrogação da medida protetiva. Ela, que utiliza o instrumento desde março de 2022, não se sente segura em viver sem o documento. “Cheguei a ser procurada por um oficial de Justiça para me manifestar se revogaria ou manteria. Disse que manteria, ainda mais que moro no mesmo endereço que morei com meu ex”, diz.
Ela, que só pediu a medida após insistência da irmã e advogada, conta que viveu por mais de um ano em uma relação abusiva até entender que estava sob perigo. “Certo dia pedi para terminar e fui para minha irmã. Ele fez ameaças contra minha vida, quebrou tudo em casa, rasgou minhas roupas e enviava fotos e vídeos da ação para mim. A partir daí fui atrás de uma Delegacia de Defesa à Mulher”, afirma.
A medida, segundo Cleide, demorou menos de uma semana para entrar em vigor. “Fiz a denúncia na segunda e na sexta já estava com a medida. Quando ele soube, saiu imediatamente da minha casa”, relata.
O caso de Cleide, para a advogada e ex-promotora Gabriela Manssur, é a prova de que a medida protetiva funciona e não é apenas um pedaço de papel. “As medidas funcionam, sim, são um escudo de proteção da mulher em situação de violência. É preciso mostrar que o instrumento previne o feminicídio”, afirma.
Manssur cita a pesquisa da promotora Valéria Scarance, o Raio-X do Feminicídio, que afirma que em 90% dos casos de feminicídio no Brasil, a vítima não tinha uma medida protetiva de urgência. “O que isso significa? Será que as mulheres que foram mortas, se tivessem pedido medidas protetivas, não seriam salvas?”, questiona.
Falta de informação deixa mulheres vulneráveis
Na avaliação da advogada Gabriela Manssur, a falta de informação é o que afasta a mulher dos pedidos de ajuda, de medidas protetivas e da segurança contra a violência e até o feminicídio. “A informação é um dos principais pontos favoráveis à proteção da mulher. Precisamos explicar como as medidas funcionam”, diz.
A visão de Manssur sobre a desinformação é refletida em números: segundo o DataSenado, apenas 16% das brasileiras afirmam conhecer muito sobre os detalhes das medidas protetivas.
O feminicídio é um crime evitável, basta fazer o que tem que ser feito e dar informação - Gabriela Manssur.
Além disso, Manssur cita que, muitas vezes, o perigo pode ser subestimado pela mulher, o que demonstra uma falta de acompanhamento e fortalecimento dessa vítima. “Ainda que tenha uma medida, ela acaba tentando resolver assuntos da separação, como guarda, partilha ou até pensa em dar uma chance. Isso demonstra falta de acompanhamento e monitoramento do Poder Público, para que a medida protetiva seja efetiva”, avalia.
Cleide Silva, que foi vítima de violência, também relata que a desinformação a fez demorar para ir atrás de uma medida protetiva. “É difícil identificar quando é aquela violência velada disfarçada de cuidados e afetos que só vão depreciando e consumindo a autoestima”, relata.
Medida protetiva não serve apenas para violência física e ameaças
A medida protetiva muitas vezes é atrelada a casos de violência física, ameaças e situações de risco à integridade da mulher. Gabriela Manssur pontua que o instrumento pode ser usado para outros tipos de violências e proteção de diversos direitos da mulher.
“Além da proteção da própria vida, da integridade física, psíquica e até da integridade patrimonial. Há medidas protetivas de urgência, que bloqueiam os bens do agressor, caso haja qualquer prova ou qualquer indício de dilapidação patrimonial, colocando em risco o patrimônio da mulher”, lista.
Manssur cita que a medida garante os direitos que estão previstos na Constituição Federal, como direito à liberdade, igualdade, segurança, vida e propriedade. “A medida não é só quando o homem agride, persegue [...] a mulher muitas vezes sofre asfixia patrimonial e se sente vulnerável”, diz.
“Melhor proteger do que o risco de deixar uma mulher ser morta”
Como situações de violência são urgentes na visão da Justiça, as medidas protetivas não têm burocracias para serem emitidas. Mas podem ser fortalecidas, na visão de Gabriela Manssur. “Mulheres precisam ter maior facilidade com o deferimento das medidas. Muitas vezes não se tem muitas provas, mas temos o pedido de ajuda”, diz.
Atualmente, a concessão de uma medida protetiva pode ser dada não só por um juiz, mas também por uma autoridade policial, o que agiliza o processo de proteção à mulher.
“Normalmente temos a fala e uma mensagem, uma testemunha, mas é uma prova e é preciso evitar barreiras. Se for mentira, no decorrer da investigação é descoberto, mas é melhor proteger do que o risco de deixar uma mulher ser morta”, afirma.
De um lado temos o direito da vida de uma mulher a ser garantido. Do outro, a liberdade de locomoção de um agressor. Qual é o mais valioso? É preciso preservar o bem maior, que é a vida - Gabriela Manssur.
A partir da medida protetiva, a advogada afirma que é possível já entrar com ações de alimentos, guarda, divórcio, partilha de bens e até acessar serviços sociais. “É importante que todo o sistema ajude a preservar a saúde e integridade da mulher, que está abalada pela violência”, diz Manssur.
Como pedir uma medida protetiva?
Caso esteja em uma situação de violência, a mulher pode procurar uma Delegacia de Defesa à Mulher, ou delegacia mais próxima. É possível também acionar a Polícia Civil pela delegacia eletrônica, ou por telefone, no número 197.
A mulher também pode denunciar casos de violência doméstica pelo 180. Caso a vítima queira medidas protetivas, a autoridade policial pode registrar o pedido e irá enviá-lo para um juiz, que irá prorrogar ou negar o requerimento em até 48 horas.
É possível também ir diretamente ao Ministério Público ou na Justiça, para pedir providências que protejam a mulher em situação de violência. Não é preciso estar acompanhada de advogado.
As medidas protetivas podem ser concedidas sem audiência ou manifestação do MP. Elas podem ser substituídas por outras de maior eficácia, sempre que os direitos forem ameaçados ou violados. O agressor que infligir a medida protetiva é preso imediatamente, segundo a lei, com pena de três meses a dois anos.
band.com.br
Cariri Ativo
10.06.2025



