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Pastores brigam por comando de Assembleia de Deus há 7 anos e processo pode parar no STJ

Pastores brigam por comando de Assembleia de Deus há 7 anos e processo pode parar no STJ

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Legenda: Comunidade de Iparana, em Caucaia, vivencia troca de acusações desde 2018
Foto: Thiago Gadelha

Com acusações de documentos fraudados e tentativas de invasão, processo pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça.


Escrito por
Nícolas Paulinonicolas.paulino@svm.com.br


Há sete anos, um imbróglio religioso e judicial vem afetando uma igreja evangélica com cerca de 2.200 membros no bairro Iparana, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. Dois pastores disputam a liderança da comunidade em uma contenda que se prolonga na Justiça Estadual e já envolveu até o acionamento da Polícia Militar.

Na última segunda-feira (23), policiais militares foram chamados para conter uma confusão em frente à Assembleia de Deus Templo Central Independente (TCI) de Iparana. Segundo o pastor Gleidailson Azevedo, que preside a congregação, um grupo ligado ao antigo pastor, Luiz Carlos Nascimento Barros, tentou arrombar e invadir o local.

No entanto, o pastor Luiz Carlos alega ser vítima de uma manobra permanente para afastá-lo das atividades. Desde 2020, há uma sentença judicial autorizando seu retorno como presidente do templo, mas ele estaria sendo impedido de adentrar no local. 

Já Gleidailson rebate: aponta que Luiz Carlos foi expulso pela própria comunidade desde 2017 porque foi flagrado em “falta gravíssima”, envolvendo adultério e uso de álcool e drogas, em uma casa de praia. Assim, seria rejeitado pelos membros até hoje.

O impasse entre os dois grupos segue sem resolução judicial e culminou numa briga física em frente à igreja, com um dos pastores ligado ao TCI atingido por um soco no rosto.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) investiga as circunstâncias da ocorrência de lesão corporal. O fato foi noticiado por meio de Boletins de Ocorrências (BOs) e está a cargo do 31º Distrito Policial.

Foto da plenária de uma igreja evangélica iluminada, com fileiras de cadeiras acolchoadas vermelhas, um púlpito transparente e o nome Jesus prateado numa parede branca
Legenda: Igreja congrega cerca de 2.200 pessoas de Iparana, área litorânea de Caucaia
Foto: Thiago Gadelha

Nas redes sociais, a direção da TCI Iparana comunicou aos fiéis que “algumas pessoas têm tentado, de forma indevida, tomar à força os nossos templos, sem qualquer autorização da própria igreja. Além disso, essas mesmas pessoas têm espalhado calúnias e difamações, tentando manchar o testemunho do evangelho de Cristo”.

Por outro lado, a defesa do pastor Luiz Carlos nega qualquer tentativa de invasão ou violência do religioso ou seguidores que o acompanham, ressaltando que “o que houve foi o exercício legítimo de um direito reconhecido pela Justiça, cujo cumprimento deveria ocorrer de maneira pacífica, respeitosa e ordeira, como convém a pessoas de fé e temor a Deus”.

Para entender a intriga, o Diário do Nordeste teve acesso ao processo judicial, com mais de 800 páginas, e conversou com os advogados envolvidos no caso.

Comando de igreja vai parar na Justiça

A disputa pelo comando do templo começou em 2017. À época, ele ainda era denominado de Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Iparana (IEADI), vinculada à Convenção das Assembleias de Deus do Estado do Ceará (Conadec).

Nos autos do processo, a organização religiosa declarou que Luiz Carlos ocupou o cargo de pastor presidente dessa Igreja de 21 de dezembro de 2009 a 24 de agosto de 2017. Nessa data, foi afastado “temporariamente” do mandato pela própria Convenção.

Para isso, alegou-se que ele estava enfrentando dificuldades na administração da Igreja, com alguns liderados revoltados após a “falta gravíssima”. Contudo, o pastor considerou a decisão arbitrária e ilegal, sem qualquer procedimento administrativo ou direito à defesa.

Enquanto ele estava afastado, Gleidailson foi nomeado interventor temporário. Porém, meses depois, foi empossado presidente do templo em 6 de fevereiro de 2018, também pela Conadec. 

Em resposta, no fim daquele ano, Luiz Carlos decidiu ingressar na Justiça contra a Convenção para requerer seu direito de retorno, porque o afastamento estava “prejudicando sua sobrevivência e de sua família”.

Foto da fachada da Assembleia de Deus Templo Central de Iparana, em azulejos brancos com quatro fileiras verticais azuis e placa de identificação. No pátio em frente, há quatro motos estacionadas
Legenda: Templo teve nome fantasia e convenção alterados após confusão na Justiça
Foto: Thiago Gadelha

Em resposta, a defesa da Conadec declarou que, por mais de um ano, Luiz Carlos nunca “demonstrou insatisfação, nem com o presidente, nem com a Diretoria”, e que “o mesmo já se encontrava rejeitado pela maioria dos membros e congregados da igreja”. 

Ainda segundo a entidade, todas as decisões tomadas sobre o pastor foram realizadas “em concordância” com Luiz Carlos, “sempre buscando o consenso”.

O processo se desenrolou até 15 de setembro de 2020, data em que houve o cumprimento da liminar que autorizou a recondução de Luiz Carlos ao cargo de presidente da IEADI, porque a sentença reconheceu a ilegalidade de seu afastamento. A Conadec também reconheceu essa data como o fim do mandato de Gleidailson.

Quebra de vínculos

No entanto, somente após a sentença pela reintegração de Luiz Carlos, a IEADI, enquanto igreja autônoma e dotada de normas internas, foi aceita como parte prejudicada no processo. Assim, pode se manifestar e interpor recurso de apelação contra a liminar. 

Vale lembrar que, ao contrário da Igreja Católica, a Assembleia de Deus não tem uma relação de subordinação como a que existe entre igrejas paroquiais e uma Arquidiocese. Elas são ligadas por associação e detêm autonomia e estatutos próprios.

“A Igreja tem estatuto próprio e pode receber e promover ação porque tem diretoria e patrimônio”, explica o advogado Manassés Gomes, que defende Gleidailson. “A Conadec não é proprietária, é apenas uma associação fraternal, e não tem poderes para representar a Igreja”. 

Porém, alegando que a Conadec apoiou o retorno de Luiz Carlos, Gleidailson solicitou desligamento e ajudou a fundar outra associação – a Convenção de Ministros Independentes das Assembleias de Deus do Ceará (Comiadeceb), hoje presente em 10 cidades – e mudou o nome da Igreja para Templo Central Independente (TCI) de Iparana.

Como criar outra convenção fere o estatuto da Conadec, a entidade confirmou que, por decisão de um processo administrativo disciplinar, Gleidailson Azevedo foi excluído das listagens e “não integra o quadro de ministros desta organização religiosa”.

“A Conadec não é uma associação de igreja, é de pastores”, defende-se o pastor. “Nossa igreja continua autônoma, tem sua diretoria própria e estamos nos defendendo”. 

Por outro lado, o advogado Márcio Ferreira, que representa Luiz Carlos, ressalta que Gleidailson, depois de exonerado da Convenção, “se apropriou indevidamente de todo o patrimônio da igreja” e  criou “um atalho para permanecer no poder”. “Mas uma hora ele vai ter que entregar”, pondera.

O Diário do Nordeste buscou o posicionamento atual da Conadec sobre o caso, mas a assessoria jurídica da entidade não enviou retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.

Suspeição de juiz

No processo, ainda houve uma tentativa da defesa de Gleidailson de apontar suspeição (capacidade de imparcialidade no julgamento) do juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Caucaia, Francisco Biserril Azevedo de Queiroz, o que interrompeu o processo principal até a resolução da questão.

Segundo a defesa da Igreja, o pastor Luiz Carlos vinha afirmando nos bastidores que sairia uma decisão judicial a seu favor porque era amigo do magistrado, responsável por avaliar o mérito.

Porém, o juiz se manifestou nos autos declarando que não conhecia Luiz Carlos. Em análise na segunda instância por desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), essa hipótese foi declarada improcedente e, depois, descartada.

Portanto, houve o reconhecimento da inexistência de suspeição do magistrado, e ele manteve a competência para julgar o caso.

A defesa do pastor Luiz Carlos argumenta que a decisão do juiz, assinada em 31 de julho de 2020, foi confirmada em todas as instâncias judiciais por meio de apelação, embargos e agravo interno. “A decisão judicial está em pleno vigor e deve ser cumprida”, afirma.

Foto de cadeado em portão de pátio de igreja evangélica em Caucaia
Legenda: Igreja tem cadeado, correntes e vigilantes para impedir supostas tentativas de invasão
Foto: Thiago Gadelha

Guerra de versões

A batalha nos autos do processo continua até o momento, incluindo trocas de acusações de forja de documentos e manobras para conseguir a extinção da ação.

Gleidailson cita a separação entre Estado e Religião estipulada pela Constituição Federal, já que organizações religiosas podem, conforme regimento próprio, estabelecer de forma livre as regras organizacionais, não podendo haver interferência do Estado. “O prédio é do povo. Quem escolhe o pastor é a igreja, é ela que manda”, sustenta.

Por outro lado, a defesa do antigo pastor garante que não há controvérsia jurídica no caso e que, “lamentavelmente”, Gleidailson “insiste em descumprir as determinações judiciais, agindo de forma a criar confusão, promover desordem e resistir à recondução legítima do pastor Luiz Carlos”. 

“Repudiamos de forma veemente tais atitudes, que desrespeitam não apenas o Poder Judiciário, mas também a comunhão e a paz dentro da própria igreja”, ressalta, em nota.

Como última movimentação processual, na última quarta (25), a IEADI protocolou recurso especial para ser analisado pela vice-presidência do TJCE, pedindo que o caso seja remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

O objetivo é anular o edital de posse de Luiz Carlos, realizado em 2020, que supostamente foi fraudado e feito sem convocação da comunidade. O advogado Márcio Ferreira rebate: diz que as alegações provocam “tumulto processual e espiritual” e que o certo é cumprir a sentença dada há 5 anos.

Briga, soco e intimidação

A falta de resolução no caso tornou a comunidade de Iparana apreensiva a confusões entre as duas partes. Na última segunda-feira (23), antes das 7h da manhã, ex-membros ligados a Luiz Carlos chegaram à frente da Igreja para entrar no local. Segundo Gleidailson, foi utilizado um alicate para cortar a corrente.

A movimentação convocou a atual direção ao local. Em meio ao bate-boca e empurra-empurra, o pastor e vice-presidente do TIC, Jenivaldo Lira, foi atingido no rosto. Os ânimos só foram apaziguados com a chegada da Polícia Militar.

Foto detalhe de cadeado com correntes na porta de entrada de igreja
Legenda: Clima na comunidade é de apreensão, mas atividades religiosas e solidárias seguem normalmente
Foto: Thiago Gadelha

Gleidailson conta que, desde então, precisou colocar seguranças para vigiar o local. Além disso, relata a passagem de carros suspeitos em ronda. “Vieram com cadeado próprio, por decisão própria, para invadir sem mandado judicial e sem oficial de Justiça, ao arrepio da lei e da ordem. Nossa preocupação é que tem um grupo passando direto, ameaçando, tirando foto, fazendo piada. São gestos de intimidação”, afirma.

Em resposta, a defesa de Luiz Carlos Nascimento Barros diz que, na realidade, foram os membros ligados a Gleidailson que iniciaram o tumulto. Ainda classifica a conduta do atual presidente do TIC como “reiteradamente desleal e desrespeitosa” porque “vem buscando por meios indevidos permanecer em local e posição que não mais lhe pertencem”.

“A Igreja Assembleia de Deus de Iparana continua firme em sua missão espiritual, com sua liderança reconhecida judicial e legitimamente restabelecida”, finaliza

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30.06.2025