Especialistas do Direito Eleitoral analisaram o texto, que tramita no Congresso Nacional desde 2021.
Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que institui o Novo Código Eleitoral. O texto, aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados, está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, com previsão de votação no colegiado para a próxima quarta-feira (16).
A redação consolida toda a legislação eleitoral e partidária em uma única norma. Um dos aspectos que a proposição trabalha é o da influência de facções criminosas em processos eleitorais, por meio de dispositivos que versam sobre delitos com potencial de serem cometidos por grupos criminosos organizados.
O projeto que está no Senado menciona desde vetos a grupos paramilitares ligados a partidos políticos até a inelegibilidade de condenados por envolvimento com organizações criminosas. Os aspectos são caros ao Ceará, que na última eleição teve municípios que acenderam o alerta da Justiça Eleitoral e das forças de segurança.
Na véspera do pleito passado, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) chegou a montar uma divisão para acompanhar a questão, o Comitê de Enfrentamento à Influência da Criminalidade Organizada nas Eleições (CEICOE). Na época, foram mapeadas ao menos seis cidades que demandavam mais atenção.
Operações da Polícia Federal e julgamentos posteriores da Justiça Eleitoral evidenciaram o envolvimento de membros de facções em casos — como o das ameaças contra a candidata derrotada à prefeitura de Sobral, Izolda Cela (PSB), e o do acusado beneficiamento de criminosos ao prefeito cassado de Santa Quitéria, Braguinha (PSB).
Na mesma linha, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) publicou, em setembro, uma resolução que trata sobre o assunto. O documento descreve medidas para identificar e combater a influência de organizações criminosas, integrando ações do Ministério Público Eleitoral com demais órgãos dos Ministérios Públicos do país.
E, em março deste ano, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por unanimidade, consolidou a tese que proíbe candidatura de integrante de “organização paramilitar ou congênere”, de modo a impedir a “interferência, direta ou indireta, no processo eleitoral, de todo e qualquer grupo criminoso organizado”.
Pontos do Novo Código Eleitoral
A legislação proposta veda expressamente aos partidos políticos “ministrar instrução militar ou paramilitar, utilizar-se de organização da mesma natureza ou adotar uniforme para seus membros”. E a manutenção de uma organização paramilitar é descrita como uma das causas que pode levar à extinção do registro de um partido perante o TSE.
Um dos pontos da redação do Novo Código Eleitoral é a declaração de inelegibilidade para aqueles que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por crimes “praticados por organização ou associação criminosa”.
Crimes de extorsão eleitoral ou constrangimento ilegal eleitoral praticados mediante violência ou grave ameaça para obter ou influenciar o voto são passíveis de penalidades, conforme versa a matéria. Essas práticas podem incorrer em penas de reclusão que podem ser aumentadas por conta do emprego de arma ou concurso de pessoas.
O texto diz que mandatos eletivos podem ser impugnados em casos de fraude e corrupção eleitoral. A definição trazida no regramento — que pontua corrupção como “toda prática antijurídica empreendida com o objetivo de controlar, mediante o oferecimento de compensação material ou imaterial, o comportamento de eleitores, candidatos adversários e autoridades ou servidores da Justiça Eleitoral” — pode abranger táticas utilizadas por facções para influenciar pleitos.
Conforme o que está descrito na lei, a compra de votos pode levar à cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, especialmente quando a sanção é aplicada contra aqueles que contratam intermediários para a compra de votos. Tal menção atinge diretamente redes de aliciamento de eleitores.
Pelo que está escrito na proposta, partidos políticos e candidatos ficam proibidos de receber doações de diversas fontes, dificultando esquemas de lavagem de dinheiro ou financiamento de campanhas por meio de empresas de fachada, ou recursos de origem duvidosa.
Outro ponto que também atinge diretamente a possível entrada de dinheiro do crime organizado na política é a menção do Novo Código Eleitoral às penas de reclusão e multa para quem praticar doação, receber ou utilizar recursos sem contabilização, especialmente se provenientes de fontes vedadas ou de infração penal.
O projeto reforça ainda a prerrogativa da Justiça Eleitoral de “processar e julgar os crimes eleitorais e todos os conexos, independentemente da gravidade ou pena cominada, prevalecendo sempre sobre as justiças comuns federal e estadual”. Isso inclui crimes comuns que tenham relação com ilícitos eleitorais.
Especialistas opinam
A reportagem do Diário do Nordeste conversou com pesquisadores do Direito Eleitoral, a fim de ampliar a compreensão acerca do projeto de lei que tramita no Congresso Nacional.
Foram entrevistados Ana Cláudia Santano, doutora em Ciências Jurídicas e Políticas pela Universidad de Salamanca (Espanha) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), e Francisco Medina, doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e professor da mesma instituição.
Para Santano, a intervenção de facções nas eleições é um “tema novo” e não está, de fato, abarcado no texto: “O Estado brasileiro ainda não está sabendo lidar com isso e acho que também essa agenda vem tarde, porque agora a gente já tem diversos casos que dão evidências claras de uma entrada, realmente, das facções na política formal”.
De acordo com a entrevistada, a proposta legislativa em questão, quando aborda o tema, considera mais uma “garantia da igualdade na competição eleitoral, não exatamente pessoas do crime organizado nas eleições”.
Segundo ela, não há uma “resposta única” ao que seria necessário, na lei, para enfrentar o problema. “Existem, sim, algumas legislações no mundo que demonstram que é possível você lutar contra isso, mas também essas legislações oferecem algumas dúvidas”, completou, pontuando que a Colômbia é um dos países com regramento específico.
“Acho que teria que ter uma coordenação entre outras legislações que temos como o enfrentamento do próprio crime organizado na seara penal e teria que combinar isso com a seara eleitoral. Mas é possível, sim, a gente elaborar uma legislação nesse sentido”, discorreu.
Medina, por sua vez, concordou que os dispositivos que estão no Novo Código Eleitoral tocam, “de maneira indireta”, na questão das facções criminosas, “principalmente no que diz respeito à inelegibilidade por envolvimento com organizações criminosas ou por financiamento ilícito de campanha”.

“Ainda assim, o texto poderia avançar mais. O combate à influência do crime organizado precisa ser mais claramente tratado, com mecanismos preventivos e critérios objetivos para impedir candidaturas comprometidas com esses grupos”, considerou o docente.
Ao que indicou o estudioso, são necessários “dispositivos mais firmes”, como o reforço de critérios de inelegibilidade, medidas de proteção aos eleitores e candidatos em áreas controladas por facções e o rastreio de recursos de campanha. “Há bons exemplos internacionais”, iniciou.
“A Itália, por exemplo, adotou legislação específica para impedir a infiltração da máfia em cargos públicos, inclusive com previsões de intervenção em administrações municipais cooptadas por grupos criminosos”, sugeriu, citando a chamada “Legge Antimafia” e a Comissão Antimáfia italiana.
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Cariri Ativo
15.07.2025