Crise climática e o acionamento das térmicas contribuirão com o cenário, segundo especialistas.
Mas com a crise climática e os impactos nas fontes energéticas, as bandeiras amarela e vermelha podem se tornar cada vez mais comuns. Especialistas alertam para a necessidade de remodelar o sistema, para não penalizar os consumidores mais pobres.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decide pelo acionamento ou não das bandeiras a partir das expectativas de geração do Sistema Interligado Nacional de Energia (SIN).
Em caso de chuvas abaixo da média e redução dos reservatórios das hidrelétricas, são acionadas as usinas termelétricas, 'que são mais caras e justificam o acionamento da bandeira', segundo a Aneel.
A utilização das fontes térmicas, em detrimento de fontes renováveis, é uma das incoerências do sistema elétrico brasileiro, avalia Henrique Frota, diretor-executivo do Instituto Pólis, ONG que atua no ramo da Justiça Energética.
“A bandeira vermelha não ocorre simplesmente porque estamos reduzindo a geração hidrelétrica, mas porque estamos privilegiando a fonte geradora mais cara do sistema, que também é uma das piores do ponto de vista ambiental e climático”, afirma.
Mesmo que o Brasil tenha produção de energia solar e eólica o suficiente para o abastecimento da população, não há infraestrutura de conexão que permita o escoamento das fontes renováveis.
“O acionamento das bandeiras é apenas o 'sintoma'. A doença, em si, é o fato de que estamos adquirindo cada vez mais energia de termoelétricas. Isso é extremante inadequado e não é sustentável a longo prazo, porque não podemos ficar construindo novas termoelétricas, temos que fazer o processo reverso”, comenta Henrique Frota.
Por que as bandeiras foram criadas?
Célio Bermann, professor associado do Instituto de Energia e Ambiente da USP, aponta que as bandeiras tarifárias surgiram para facilitar o custeio da geração térmica.
“O sistema não financia os custos da produção de energia, que são extremamente variáveis. O expediente da bandeira tarifária não diz respeito ao custo de geração propriamente dito, mas ao montante que deve ser acrescido pelo uso da energia das usinas térmicas como forma de garantir a satisfação da demanda”, aponta.
Antes das bandeiras tarifárias, os custos de geração de energia eram repassados aos consumidores em até doze meses, no reajuste tarifário anual das distribuidoras. Isso costumava aumentar os índices de revisão e atrasava o pagamento das usinas.
“As distribuidoras ficavam inadimplentes para cobrir os gastos com a energia das térmicas. Isso causava um desequilíbrio financeiro que exigia do tesouro a cobertura que as tarifas praticadas não alcançavam. Portanto, o sistema de bandeiras veio socorrer as empresas de geração térmica”, lembra.
10 ANOS DO MECANISMO DE BANDEIRAS TARIFÁRIAS
O sistema de bandeiras tarifárias foi regulamentado em dezembro de 2012. De julho de 2013 a dezembro de 2014, o mecanismo vigorou de caráter didático, com divulgação da bandeira mensalmente, mas sem cobrança.
A incidência dos valores adicionais começou em janeiro de 2015, com diversas mudanças nas faixas de acréscimo desde então. A bandeira é aplicada a todos os consumidores, considerando o consumo mensal.
No caso da bandeira mais alta, a vermelha no patamar 2, há acréscimo de R$ 7,87 para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
BANDEIRA TARIFÁRIA | VALOR ADICIONAL (por 100 kWh) |
Amarela | R$ 1,88 |
Vermelha (patamar 1) | R$ 4,46 |
Vermelha (patamar 2) | R$ 7,87 |
Além de tornar os custos do sistema mais visíveis aos consumidores, o sistema buscar incentivar as famílias a adaptar o consumo de energia para controlar o valor da conta, segundo a Aneel.
Sequência de bandeiras tarifárias já é uma realidade
Em seis dos 10 meses de 2025, houve acionamento de bandeira amarela ou vermelha, tornando a conta de luz mais cara.
Ao longo de 2024, foram quatro meses de acréscimos, o que quebrou uma sequência de mais de dois anos de bandeira tarifária verde - onde a situação de geração está normalizada e não há tarifas extras na conta de energia.
Antes disso, o Brasil havia passado por uma grande sequência de acionamento das bandeiras: de dezembro de 2020 a abril de 2022, se alternou entre bandeiras amarela, vermelha e a bandeira específica de escassez hídrica.
Para um consumo de 300 kWh por mês, a taxa adicional máxima chega a R$ 23,6 na conta de luz.
Isentar parte dos usuários das bandeiras pode corrigir distorções
No orçamento das famílias mais vulneráveis, o acréscimo pode tomar o valor destinado à alimentação básica. Henrique Frota afirma que não é adequado aplicar os adicionais às famílias mais pobres, que não têm como reduzir o seu consumo de energia.
Há famílias que têm basicamente uma geladeira e iluminação básica. Não tem ar-condicionado, não tem o que elas poderiam abrir mão. Então essa conscientização é limitada, acaba tendo um impacto mais financeiro do que de consciência social ou climática.
Ele lembra que as famílias vulneráveis tiveram um alívio financeiro com a ampliação da tarifa social, que dá descontos consideráveis e até gratuidade na conta de luz para beneficiários do CadÚnico. A não incidência das bandeiras para esse público seria um novo meio de combater as injustiças do setor elétrico.
ENERGIA DE BIOMASSA É CAMINHO PARA SISTEMA SEM TAXA EXTRA
Não há discussão em andamento para mudanças no sistema de bandeiras tarifárias. Henrique Frota avalia que a operação tende a continuar desta forma pelos próximos anos.
Célio Bermann aponta que uma das formas de financiar o sistema de energia sem a necessidade de taxa extra é substituir as térmicas por óleo diesel ou gás natural por usinas de biomassa (que utilizam o excedente das usinas de açúcar e etanol).
Esse tipo de usina tem o custo médio semelhante ao das hidrelétricas, mas não é tão utilizado, segundo o especialista.
“As usinas produtoras de açúcar e de álcool (etanol) no país tem uma capacidade instalada de cerca de 8 mil MW. Entretanto, apenas 1,2 mil MW são injetados na rede do Sistema Integrado Nacional (SIN) na época da baixa hidraulicidade (período seco), que corresponde ao período da cana-de-açúcar”, aponta.
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Cariri Ativo
07.10.2025