Média histórica mostra que parlamentares cearenses aportam R$ 9 em cada R$ 10 dos repasses para a área.
A saúde pública é o principal destino das emendas parlamentares enviadas ao Ceará — uma tendência que atravessa governos e legislaturas, e que se tornou um dos pilares do financiamento público no Estado. Ao longo do próximo ano, o setor deve ultrapassar a marca de R$ 1 bilhão em investimentos recebidos por emendas da bancada federal. O cálculo considera os valores acumulados nos últimos quatro anos, que já superam R$ 800 milhões, e as verbas previstas para 2026.
Na última quarta-feira (12), os deputados federais cearenses anunciaram um aporte de mais R$ 376,2 milhões para a saúde estadual em 2026. O valor supera, inclusive, os pedidos feitos pelo governador Elmano de Freitas (PT), de R$ 200 milhões, e do prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), de R$ 75 milhões.
Do total de R$ 415 milhões que a bancada tem disponível nesse tipo de emenda, 90% serão para a saúde. O percentual segue uma tendência histórica dos parlamentares cearenses, que aportam R$ 9 em cada R$ 10 para a saúde pública. Assim como Elmano, seus antecessores, Camilo Santana (PT) e Izolda Cela (PSB), também apelaram — e foram atendidos — pelos deputados e senadores na destinação dos recursos.
Essas emendas são cobiçadas por serem obrigatórias, portanto, o Executivo deve obedecer a alocação de verbas conforme indicado pelos congressistas. Os congressistas também indicaram, para 2026:
- R$ 12,1 milhões para a Educação;
- R$ 19,1 milhões para a Integração e Agricultura;
- R$ 8,2 milhões para a Segurança Pública.
Segundo Elmano, no caso da saúde, os valores irão para obras dos hospitais regionais, incluindo o de Iguatu, de Baturité e o de Crateús, que estão em execução.
Em Fortaleza, Evandro Leitão destacou que os recursos garantem reforço ao Instituto Doutor José Frota (IJF). "No final do ano passado, ainda não tínhamos nem assumido a Prefeitura de Fortaleza, estivemos aqui no Congresso conversando e foram destinados recursos para a Saúde de Fortaleza. Isso ajudou muito para que nos mantivéssemos e recuperássemos a Saúde", ressaltou o prefeito.
Como a bancada define as prioridades
O coordenador da bancada federal, Domingos Neto (PSD), explicou ao PontoPoder que a escolha da saúde reflete a combinação entre demanda social e pedido dos gestores estaduais e municipais.
“Dos R$ 415 milhões disponíveis, R$ 376 milhões vão para o setor, então, sem dúvidas, é a nossa maior prioridade enquanto bancada, é onde a gente enxerga que o povo mais precisa. Esse também foi o principal pleito do governador Elmano, do prefeito Evandro e de praticamente todos os prefeitos do Estado”, disse.
Ele explicou que a divisão exata entre Estado e municípios só será concluída no momento da indicação formal, mas sinalizou que o Governo e a Prefeitura da Capital serão atendidos.
“Ainda não dá para dizer exatamente como será a divisão final. Mas se não for exatamente o que eles pediram, será muito próximo disso”, completou.
Segundo Domingos Neto, a bancada tomou sua decisão após ouvir os parlamentares, o Governo e instituições do setor.
“Reunimos a bancada, ouvimos todos os parlamentares, o governador, o prefeito e diversas instituições. De cara, a bancada já decidiu priorizar a saúde, porque são as maiores demandas. Diante disso, todos os deputados e senadores colocaram mais da metade dos seus recursos nessa área”
Em busca de recursos
Durante as negociações para a definição das emendas de 2026, Elmano ressaltou o impacto que esse dinheiro tem para equilibrar as contas da saúde — especialmente diante de novos equipamentos entregues com verbas de emendas, mas que agora precisam ser mantidos.
"Para você ter uma ideia, a previsão de manutenção do Hospital Universitário do Ceará é de mais de R$ 800 milhões por ano. Portanto, nós temos muita necessidade de recursos para fazer essa ampliação", disse ao Diário do Nordeste no último dia 4 de novembro.
As emendas de bancada exigem acordo entre os 25 parlamentares federais cearenses. Tradicionalmente, essas negociações provocam disputas entre base aliada e oposição, mas a saúde tem funcionado como ponto de consenso.
De acordo com o dados do Tesouro Nacional, entre 2022 e 2025, as emendas da bancada cearense somaram R$ 887,6 milhões, dos quais R$ 863,5 milhões foram direcionados à saúde estadual e municipal.
Investimentos históricos
A área da Saúde, historicamente, é a que mais atrai atenção dos parlamentares brasileiros. O Sistema Único de Saúde (SUS) concentra a maior fatia das emendas parlamentares e, no caso do Ceará, há exemplos emblemáticos desse protagonismo.
Um dos mais simbólicos é o Hospital Universitário do Ceará (HUC), que se tornou destino recorrente dos recursos impositivos da bancada durante a fase de obras. Em março deste ano, quando foi entregue, o hospital foi apresentado como “um marco da saúde no Brasil” por representar a integração entre os governos municipal, estadual e federal.
Para os petistas, o Ceará é uma vitrine nacional por concentrar o comando do Executivo nas três esferas. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou isso no discurso de inauguração.
“É a primeira vez da história que a gente tem o governador do Estado, o prefeito da Capital e o presidente da República do mesmo partido, é a primeira vez, então, meu caro, é da minha responsabilidade, da responsabilidade do Elmano e do Evandro não permitir que vocês se frustrem”
Na ocasião, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou o funcionamento de mais de 800 leitos do HUC e um aporte adicional de R$ 200 milhões para o sistema estadual.
Emendas individuais
Além das emendas de bancada, os parlamentares também indicam emendas individuais, impositivas desde 2015. Nesse período, os deputados e senadores cearenses destinaram cerca de R$ 3,2 bilhões à Saúde, de um total de R$ 3,8 bilhões.
Embora a Constituição determine que apenas metade dessas emendas seja obrigatoriamente destinada ao setor, na prática, deputados e senadores destinam mais de 90%.
O envio é feito por transferência fundo a fundo, em que os recursos saem do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e são repassados diretamente aos municípios. Nesse modelo, cada parlamentar costuma priorizar os municípios de sua base eleitoral — o que aprofunda a dependência política dos municípios em relação a essas verbas.
A Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) reconhece esse comportamento e tem ressalvas a ele. O presidente da entidade, o ex-prefeito de Jaguaribara, Joacy Júnior, afirma que a destinação ainda depende diretamente da articulação local, o que tende a gerar mais desequilíbrios.
“Infelizmente, nem todos os municípios serão beneficiados, porque isso depende da relação do prefeito com o deputado, mas a maioria (das prefeituras) deve receber algum valor, o que já ajuda bastante num momento de tanta dificuldade fiscal”
Segundo ele, o peso da saúde nas contas municipais explica a disputa pelos recursos.
“Os municípios estão gastando praticamente o dobro do mínimo constitucional de 15%. Muitos já aplicam 30% ou mais. O grande problema é porque a saúde tem toda uma defasagem sistêmica. Os programas instituídos pelo Ministério da Saúde há vários anos, atualmente são custeados, em grande parte, pelos municípios”, pontuou.
Série de reportagens
A próxima reportagem vai detalhar os riscos e desigualdades de um modelo de financiamento baseado em emendas — e mostrar quais municípios cearenses ficaram de fora desse fluxo de recursos nos últimos anos, a partir de dados do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
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Cariri Ativo
18.11.2025


