UMA CARTA DE AMOR À INTERNET
Cara Internet,
Meu nome é Antonio Alcymar Monteiro dos Santos, nasci na vila de Ingazeiras, distrito da cidade de Aurora, estado do Ceará. Sou um artista brasileiro. Sou um apaixonado pela nossa cultura, pelas nossas cores. Sou um pesquisador do que o povo produz de graça: maracatu, bumba-meu-boi, caboclinho, cavalo-marinho, ciranda, coco-de-roda... E tantas outras que nem sequer conheço ainda! Se é cultura popular, tô lá! Sou cantor desde menino, nunca quis ser outra coisa. Já andei em muito pau-de-arara atrás desse sonho, e graças a Deus estou conseguindo realizá-lo, diferentemente de muitos irmãos que vi ficaram para trás.
Acabei chegando em São Paulo, como mais um retirante nordestino, e foi lá que passei pela prova de fogo que todos os verdadeiros artistas já passaram um dia: noites em claro de fome, por amor à sua arte. Internet, me dê licença só um pouquinho pra eu falar com meus irmãos artistas, de todas as linguagens, matizes, direcionamentos e culturas: vocês sabem do que estou falando, irmãos. Vocês sabem o que é persistir enquanto todos dizem para desistir. Então eu digo do fundo da minha alma: persistam, RESISTAM! Porque haverá cultura após essa pandemia, há de haver se houver Brasil! Saibam que esse grito que está calado agora de todos os artistas brasileiros, jogados à própria sorte, será ouvido por quem de direito. E acima de tudo, há Deus em tudo irmãos, e Ele haverá de nos socorrer.
Quando comecei a andar em gravadoras nos meados da década de 1980 atrás de meu espaço ouvi muitos nãos e portas na cara - afinal você ainda não existia, Internet, para nós artistas podermos ser livres e divulgar nossos trabalhos, filhos das nossas almas, livremente. Então tínhamos que ir mendigar nosso espaço pra pessoas que estavam ali prioritariamente para dizer o famigerado “NÃO!”. Ouvi algo em uma dessas audições que me marcou pro resto da minha vida que foi além de um não: “Forró é música de beira de cais e pontas de esquina”. Mas isso pra gente que é artista tem é efeito contrário. Parece que quando ouvimos essas asneiras ficamos ainda mais obstinados em chegar lá.
Nessas andanças conheci um cidadão chamado Luiz Gonzaga do Nascimento, que me pegou pelo braço e me ensinou quase tudo o que sei do meio musical. Devo minha vida artística a Luiz Gonzaga e isso é algo que eu nunca poderia trair. Não traio meus princípios jamais, por mais que a situação fique difícil. O desespero não é uma opção pra quem vive da arte, é um estimulante! Nós artistas gostamos do fio da navalha: é aí que mais produzimos. Eu mesmo nessa pandemia já escrevi e compus mais de 40 músicas...
E olha que tive oportunidades de me trair! Eu como discípulo de Luiz Gonzaga e pesquisador da cultura não aceito a mercantilização do forró nem de qualquer outro gênero de música popular. Nos anos de 1990 passou pelo forró um movimento, obra de cabeças sombrias que visavam somente o lucro fácil, o vil metal. Em certo ano da década de 1990, passei o dia 23 de junho – a data suprema pra qualquer forrozeiro – em casa. Sozinho. Não teve show, não teve alegria. Vi da minha janela famílias comemorando o São João... Chorei, não vou mentir. E prometi a mim mesmo que aquilo nunca iria ocorrer de novo, pois o lugar de um artista é junto ao povo. Mas confesso que é muito duro ver a mentira vencer momentaneamente a verdade, porquê tem um alto-falante maior. Mas mesmo aí não me desesperei. Muito pelo contrário: fui buscar no meu matulão algo novo, que ainda não havia sido tocado por essas mãos sujas de sempre. E disso nasceu o projeto “Vaquejadas Brasileiras”, um verdadeiro sucesso, que me reintroduziu nos ouvidos e corações de muitos fãs que haviam trocado o forró verdadeiro por um forró-fake e fugaz.
Tive com esse trabalho das Vaquejadas a oportunidade também de dialogar com uma nova geração, falar para os jovens, e ensinar alguma coisinha que peguei da minha experiência de vida. Não ensinar a beber, cair e levantar, mas a preservar a natureza, a amar Pai e Mãe, a respeitar o mais próximo e tudo o que meu Pai Artur e minha Mãe Maria me ensinaram e eu espero ter passado para meus filhos Júnior, Mariana e Marcos.
Pois bem, Internet, chegamos agora ao presente. Já vivi o compacto, o LP, a K7, o CD, o DVD e agora cheguei ao YouTube, ao Facebook, ao Twitter a ao Instagram. Ainda não abri um TikTok porquê acho que a linguagem é pra outro público. Mas fiquem tranquilos que estou procurando meios de me comunicar com essa geração também. Estou ligado nela, já que minha neta Malu vive falando nisso. Até nisso estou bebendo da minha água do pote e seguindo os conselhos do meu pai-musical Gonzagão, que me disse certa feita que a velocidade das informações estava cada vez maior, e que era preciso além de uma voz identificada uma identidade visual forte, uma marca. Tá explicado um dos motivos de eu só me apresentar de branco.
Então, Internet, quero saber se você será o próximo meio que esse veterano artista aqui terá que aprender a manusear, aprender a falar e ter como veículo para apresentar seu trabalho. Quem me conhece sabe do meu carinho e perfeccionismo pelo meu trabalho. O que eu quero mesmo é apresentar um trabalho de qualidade, em respeito aos meus 36 anos de carreira, 88 trabalhos lançados, mais de 1000 músicas editadas, minha história e – principalmente - aos meus fãs, que são meus patrões nesses anos todos.
Muitos estavam me cobrando a realização de uma live no início do ano e eu relutei. Relutei por diversos fatores: sanitários, econômicos... Mas entendi eventualmente que, como o poeta Belchior disse tão bem, o novo sempre vem. Se não aderirmos às novas plataformas ficaremos fora delas. É um conceito simples, mas que esconde uma frieza por trás. O artista tem que seguir fiel à suas raízes, mas sempre ligado aos novos meios de veiculação de sua arte.
Tenho músicos que trabalham comigo há 28 anos, e fui procurá-los e explicar que queria fazer esse trabalho e todos toparam prontamente. Foram grandes as dificuldades para tornar realidade o que foi apresentado no dia 9 de maio. Mas graças a Deus e à equipe que trabalha comigo conseguimos levar ao público através de você, Internet, um trabalho antes de tudo digno.
Internet querida, vou fazer outra live. Dessa vez justamente no tal 23 de junho, pois ainda honro aquela promessa que fiz a mim mesmo de não ficar em casa nessa data. Isso é história pra outro dia, mas para dar exemplo de como essa promessa é válida pra mim: já fiz show com contratante pagando somente a banda nessa data, em um ano de crise, para cumprir a minha promessa. E não será diferente esse ano. Todos os dias 23 de junho, enquanto Deus permitir, estarei animando algum arraial de São João, não importa onde e não importa como.
Não está fácil colocar essa segunda live em pé. Eu como romântico que sou, estou escrevendo essa carta para você, Internet, dizendo que te amo, e espero reciprocidade! Estou com uma equipe comercial tentando contato com várias empresas, correndo atrás de patrocínio, para colocar de pé meu arraial, mas não está sendo fácil.
Não quero apresentar uma “live fake”, sem banda - com o famigerado playback - pois isso vai contra quem eu sou, pessoal e artisticamente. Quero que as pessoas se lembrem do show inesquecível que proporcionarei e saibam que levarei alegria para muitos, através de você, Internet, e não por mais uma live interesseira ou até bem intencionada, mas mal feita. Quero entregar um filho que me dê orgulho, que cresça com o tempo.
Portanto, Internet, fui atrás de saber como as coisas funcionam por aqui. E fiquei encantado com uma coisa que um amigo me disse que se chama de “crowdsource”, ou “contribuição coletiva”. No meu tempo isso se chamava de vaquinha mesmo, mas vamos lá Internet, vou fazer um esforço pra falar na tua linguagem. Achei incrível porque você corta todos os intermediários e vai dialogar com cada um dos fãs, diretamente. Com cada um que já deu um sorriso ao ouvir uma música sua. Com cada um que já derramou uma lágrima ao lembrar do seu Pai, de sua Mãe, de seus Avós, ao ouvir uma canção minha.
Então resolvi aderir a esse modelo. Antes e durante meu “arralaive”, minha live de São João, vou arrecadar doações em dinheiro e alimentos para inúmeras entidades que estão ajudando as pessoas mais afligidas por essa pandemia, em especial aos músicos, que viram abruptamente suas fontes de renda simplesmente sumirem. Vou anunciar nas minhas redes sociais às opções para empresários e pessoas que quiserem contribuir.
Mas esse aqui é um pedido para custear a live em si. Queria muito viver em um país no qual um artista que se mantivesse fiel aos seus princípios tivesse o dinheiro suficiente para arcar com 500 lives e apresentar seu trabalho de forma digna e honesta, mas infelizmente não é o caso. Estou lançando, então, uma vaqui... ops, uma contribuição coletiva para que todos os fãs e amigos possam me ajudar a segurar essa bandeira, o que não está fácil sozinho. Conto contigo, Internet, pra me ajudar a animar mais um 23 de junho, do ano de 2020, a partir das 8 da noite, através Youtube.
Com amor,
Alcymar Monteiro
Ajude em http://vaka.me/1072911
Fonte: Facebook de Alcymar Monteiro
26.05.2020


