Covid-19: vacina pode ter evitado 2ª onda em profissionais da saúde no Ceará - Cariri Ativo - A Notícia Com Credibilidade e Imparcialidade
Anúncio

Covid-19: vacina pode ter evitado 2ª onda em profissionais da saúde no Ceará

Covid-19: vacina pode ter evitado 2ª onda em profissionais da saúde no Ceará

Compartilhar isso

 

Orlanda Soares de Castro, é enfermeira e relata a dura rotina dos trabalhadores na pandemia
Mesmo com aumento do número de casos na população geral registrado na segunda onda da Covid-19, confirmações entre profissionais da saúde reduziram 70,2% entre 2020 e 2021.

Por 

Expostos diretamente ao Sars-Cov-2 — vírus causador da Covid-19 —, profissionais da saúde são intensamente expostos à pandemia. Nessa parcela da população, foram confirmados 18.380 casos no Ceará em 2020 e 5.460 em 2021 — uma redução de 70,2%. Enquanto os novos casos da infecção na população geral foram mais severos na segunda onda, a curva de registros entre trabalhadores da saúde se manteve praticamente na mesma média. Na análise de epidemiologistas e representantes das categorias, o que impediu uma segunda onda entre os profissionais da saúde foi a vacinação.

Esse público começou a ser contemplado logo no início da imunização contra a Covid-19. Profissionais da linha de frente compuseram o primeiro grupo prioritário, cuja vacinação foi iniciada em 18 de janeiro. No Estado, 255.309 profissionais foram imunizados com uma dose e 196.187 deles também receberam a segunda dose. Dados são do Vacinômetro, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), atualizado no domingo, 20.

A diminuição nos registros diários é ainda mais representativa quando se considera que a curva de casos na população geral se desenha de forma exatamente oposta: subindo de 352.065 casos ano passado para 515.450 registros neste ano. Um aumento de 46, 4%. Ao todo, já foram registradas 23.840 confirmações em trabalhadores que atuam nos serviços de saúde no Estado. Eles são 2,7% dos casos registrados em toda a população cearense. As informações sobre casos e óbitos são do IntegraSUS, plataforma da Sesa, conforme atualização feita às 16h43min da segunda-feira, 21.

A virologista e epidemiologista Caroline Gurgel, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que é possível perceber uma redução importante e que tende a continuar à medida que uma parcela maior da população for vacinada. “A gente tem a grande maioria da população que não recebeu nenhuma dose, outra parte recebeu uma dose e uma parcela mínima recebeu duas doses. Mesmo diante desse cenário, o que a gente tem de resultado já aponta que a vacina é excepcional”, avalia.

A pesquisadora cita o estudo de Serrana, que indica a necessidade de vacinar, no mínimo, 75% da população de um local para se registrar redução dos indicadores da população geral. “O que não temos ainda (no Ceará)”, lembra. O município do interior paulista vacinou 95% dos habitantes com mais de 18 anos. Os resultados foram 80% de redução de casos sintomáticos, 86% de redução em hospitalizações e 95% de queda em óbitos.

Ela frisa que, na segunda onda, a população foi exposta à variante "muito mais transmissível e com carga viral muito mais expressiva, o que culmina no aumento da transmissibilidade". “Mesmo na segunda, com aumento muito maior de casos, conseguimos reduzir a expressão de profissionais da saúde, que já estavam vacinados. Isso mostra, de fato, que essa medida é muito eficiente”, relaciona a enfermeira.

José Xavier Neto, cientista-chefe da Saúde do Ceará e coordenador do Centro de Inteligência em Saúde do Ceará, detalha que a segunda onda não teve um pico tão alto como a primeira, mas acabou sendo mais demorada. Dessa forma, somou muito mais casos do que a anterior.

“O que se sugere é uma relação de causa e efeito que é plausível. Uma associação. Como a gente sabe que a vacina é eficiente e os profissionais de saúde foram vacinados antes, faz sentido concluir que foram protegidos pela vacinação”, diz o professor da UFC.

Com relação ao número de óbitos, a soma foi de 40 para 50 entre 2020 e 2021. Os professores destacam, contudo, que não houve diferença estatística relevante. A diferença “não constitui margem significativa de que houve uma diferença”, aponta o médico José Xavier Neto.

“Tem uma diferença entre uma variação matemática e uma variação, de fato, com significância estatística. A diferença (nos óbitos) foi puramente matemática”, corrobora a epidemiologista Caroline Gurgel. E acrescenta: “tem de ver o status vacinal e as comorbidades associadas a esses indivíduos, que entram como fatores de risco e que tem um peso muito grande na mortalidade”.

Mulheres, jovens, técnicas e auxiliares de enfermagem: perfil mais exposto

O número de casos entre profissionais da saúde é acentuadamente maior entre mulheres. Desde o início da pandemia, 17.278 trabalhadoras tiveram diagnóstico positivo para o vírus enquanto o número de registros entre homens foi de 6.562. Ou seja, a cada dez casos de Covid-19 entre pessoas que trabalham no sistema de saúde, sete são mulheres. Entre a população geral, a proporção de mulheres é de 55,2% das confirmações.

Quando se consideram as mortes pela doença nessa categoria, homens são maioria, com 61% dos óbitos. A proporção etária da saúde se assemelha aos registros da população geral. Adultos jovens, principalmente entre 30 e 39 anos, concentram maior parcela de casos com relação às outras faixas etárias.

A grande quantidade de mulheres infectadas está relacionada à profissão. Técnicos e auxiliares de enfermagem concentram 26,6% das confirmações, com 6.345 casos. Em seguida, enfermeiros, com 3.628 casos, o que representa 15,2% do total. Agentes comunitários de saúde (2.051), médicos (1.848) e agente de combate a endemias (910) completam as cinco profissões da área da saúde com mais casos.

De acordo com Marta Brandão, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Estado (Sindsaúde), a categoria da enfermagem é composta majoritariamente por mulheres. “Cerca de 85% da enfermagem, incluindo enfermeiros, técnicos e auxiliares, são mulheres. Entre trabalhadores da saúde a proporção reduz mas também representa uma maioria significativa, 70%”, detalha.

Ela destaca que, além de serem funções com atuação mais próxima ao paciente, o rigor na cobrança por equipamentos de segurança adequados é menor em algumas categorias. “Alguns têm mais proteção porque os conselhos atuam na fiscalização para verificar se os equipamentos estão sendo distribuídos e utilizados de forma correta. Maqueiros, pessoas que trabalham no administrativo, agentes de saúde, por exemplo, não recebem os mesmos equipamentos de proteção que os outros profissionais recebem”, afirma.

Ela relata que, no pico de casos de 2020, agentes comunitários de saúde visitavam famílias usando máscaras de pano. “Não foram fornecidos equipamentos adequados. Ficaram mais expostos”, diz.

Técnicos e auxiliares de enfermagem também lideram o número de óbitos em decorrência da Covid-19, com 19 do total de 90 registros desde o início da pandemia. Uma taxa de 21,1%. Entre as categorias com maior número de vidas perdidas seguem os médicos (17), enfermeiros (10) e agentes de combate a endemias (7).

Leonardo Alcântara, presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, destaca que a população vacinada teve uma proteção significativa à doença. “Temos de manter todos os cuidados, como uso de máscara e álcool em gel. Mas, se fosse escolher só um método isolado, a vacinação é o que tem o maior impacto”, avalia. A variação no número de profissionais da saúde infectados entre 2020 e 2021 apresentou mudança com redução “drástica” na avaliação dele. 

Os médicos são a quarta categoria com maior número de casos e segunda com maior número de óbitos pela doença entre os profissionais que atuam nos serviços de saúde. “Todos estão expostos, mas o médico é responsável por vários procedimentos em vias aéreas, por exemplo. O paciente emite aerossóis que trazem vírus. As unidades têm vários profissionais e os médicos são menos numerosos nas equipes”, contextualiza. 

Cotidiano de sobrecarga em 15 meses contra a pandemia

Neste ano, a rotina de trabalho aumentou, mas o número de colegas acometidos com a infecção foi menor. Orlanda Soares de Castro, 44, trabalha como enfermeira no posto de saúde Paulo de Melo Machado, em Fortaleza, e no Grupo Socorro e Urgência, em Canindé. “Perdemos muitos profissionais, colegas. Reduziu mas ainda temos casos”, preocupa-se. Mesmo vacinada, ela se mantém em alerta. Em mais de um ano em trabalho contínuo no enfrentamento, ela não foi infectada.

Apesar da menor taxa de casos entre profissionais da saúde, algumas escalas ainda continuam desfalcadas, deixando profissionais com carga exorbitante e adoecidos pela situação que estamos vivendo", diz. "De abril para maio, eram cerca de 50 pacientes atendidos pela manhã com uns 20 positivos, em média. E a tarde também”, lembra.

De maio para junho, ela percebe diminuição de casos atendidos. "Eu trabalho em dois serviços diferentes. Em posto de saúde na semana, em Fortaleza, e na transferência de pacientes no fim de semana, no Interior. A demanda é diferente. No Interior, fazemos transferências de UPAs para hospitais locais e regionais. Percebi diminuição nos dois serviços", aponta.

Para Messias Carlos de Souza, 58, técnico de enfermagem do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), a vacina também foi determinante para o menor registro de casos na segunda onda: “A maioria do pessoal da saúde já estava vacinada.” “Trabalhamos muito nesse ano principalmente. Transportar muitas pessoas de casa, pegar de hospitais pequenos do Interior para os hospitais de grande porte”, descreve.

O profissional compara algumas mudanças entre o início da pandemia e os últimos meses. “Este ano, já estamos vacinados e já temos certa experiência. Sabemos como nos proteger melhor, o receio é menor. Ano passado, não sabíamos nada ainda sobre a gravidade”, compara.

Messias aponta ainda os impactos emocionais do trabalho nos profissionais da saúde. “Tinha gente que não tinha coragem de ir trabalhar. Ficavam abalados, passaram a tomar medicação.” Ele teve a infecção em maio do ano passado, justamente no período pico da primeira onda da pandemia no Ceará. “Eu tive leve mas familiares meus ficaram bem ruins. Acho que não ficou ninguém do Samu sem adoecer”, relata.

É preciso acelerar vacinação e intensificar vigilância epidemiológica, diz presidente da Abrasco

Para que seja possível ampliar os efeitos da vacinação observados em recortes da população — como nos profissionais de saúde — de maneira geral, a aquisição e aplicação das doses precisar acelerar. A médica sanitarista Gulnar Azevedo e Silva, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), avalia a vacinação no Brasil até agora. De acordo com ela, ante a perspectiva de recrudescimento da transmissão, intensificar a vigilância epidemiológica é um imperativo.

O POVO - Cinco meses após o início da imunização contra a Covid-19 no Brasil, qual o balanço desse processo e dos reflexos nos indicadores? 

Gulnar Azevedo e Silva - A gente já pode observar, a partir das pessoas vacinadas com as duas doses, que a vacinação, de fato, confere proteção. Mostra que o risco de as pessoas evoluírem é menor. Devemos forçar o governo para que as vacinas cheguem para todas e todas. Agilizar é fundamental para que esse efeito entre os grupos vacinados ocorra para toda a população. Nada mudou tanto nesse período, a única interferência nova foi a vacina.

OP - Apesar da necessidade de agilizar a imunização, temos incertezas acerca da chegada de vacinas, possibilidade de 3ª onda e novas variantes. O que é preciso fazer nesse momento? 

Gulnar - O que a gente fica muito preocupado é que, na medida em que o tempo vai passando e não conseguirmos ter a quantidade de doses para vacinar, a quantidade de pessoas expostas é muito alta. Não é hora de flexibilizar. As pessoas precisam continuar usando máscara e fazendo o distanciamento físico até podermos dizer que a pandemia está controlada. Pelo contrário, a perspectiva é de recrudescimento. Há registros de alta transmissão do vírus. É preciso manter medidas de forma muito rigorosa. O Brasil nunca conseguiu uma restrição total, ficou no abre e fecha, vai e volta. Não há articulação monitorando tudo e indicando de forma conjunta, o que torna mais fácil (o controle). Como é cada um por si, fica bastante complicado, é preciso que o Governo Federal assuma a direção e coordene seguindo a ciência. A vacinação é a medida mais importante hoje.

OP - Brasil tem cenários muito diferentes da pandemia entre regiões, estados e municípios. Como diminuir discrepâncias na aplicação das vacinas? 

Gulnar - Eu acho que precisa organizar. O Programa Nacional de Imunização (PNI) tem de ser o programa que coordenada a orientação abordada. Cada vez mais chegar à vacinação por idade. É preciso ver rapidamente quem (estados e municípios) está precisando e ir baixando por faixa etária. Isso tem de ser organizado de forma bem integrada pelo programa. Ao mesmo tempo em que a gente tem esse esforço para vacinar e baixar a curva, tem de ter um esforço muito grande com as equipes de atenção básica. Momento de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e as equipes para fazer a vigilância epidemiológica e tentar diminuir a transmissão. Rastrear casos e contatos para que seja feito o isolamento. Além disso, governo tem de garantir auxílio para que as pessoas possam seguir com distanciamento e proteção social. O governo tem de cuidar disso.

Clique na imagem para abrir a galeria