Em contrapartida, a população carcerária cearense diminuiu 10% no mesmo período
Números da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP) apontam que, em um intervalo de quatro anos, o monitoramento por tornozeleira eletrônica cresceu 54,6% no Ceará - ao passar de 5.907 pessoas monitoradas em fevereiro de 2020 para 9.134, em fevereiro de 2024; enquanto a população carcerária caiu 10,4%, no mesmo período (ao diminuir de 24.035 pessoas presas para 21.512).
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Conforme o último Boletim Mensal da SAP, de fevereiro deste ano, as unidades prisionais cearenses somam 20.645 homens presos e 867 mulheres presas. A Unidade Prisional Professor José Jucá Neto (UP-Itaitinga 3) - antiga CPPL III - tem o maior número de detentos em um presídio: 1.835 internos.
ativações de novos usuários do monitoramento eletrônico também foram registradas, em fevereiro de 2024, segundo o Boletim. Passaram a ser monitorados 448 presos condenados, 383 presos provisórios (que não têm condenação) e 116 pessoas envolvidas com crimes previstos pela Lei Maria da Penha (por violência contra a mulher).
Um dos egressos do Sistema Penitenciário, que passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica, foi o ex-policial militar Mayron Myrray Bezerra Aranha, acusado de participar do assassinato do ex-prefeito de Granjeiro, João Gregório Neto, o 'João do Povo', em dezembro de 2019. O réu foi solto por decisão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), no dia 20 de fevereiro último, com aplicação de medidas cautelares - como o uso do monitoramento eletrônico.
Questionada sobre o assunto, a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização emitiu nota em que atribui a diminuição da população carcerária também a outros fatores, além do aumento do uso de tornozeleiras eletrônicas.
"A Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização informa que já encaminhou, desde janeiro de 2019, mais de 180 mil revisões processuais. Além disso, a SAP comunica que, neste mesmo período, foram construídas 105 novas salas de vídeoconferências para uma comunicação ágil entre Poder Judiciário e pessoas privadas de liberdade. Por fim, a Pasta também informa que foram adquiridas mais de 150 viaturas novas, armamento e treinamento para a ampliação e eficiência das escoltas de acesso à Justiça. Todas essas ações combinadas reduziram a população privada de liberdade do Ceará de mais de 30 mil pessoas em 2018 para pouco mais de 21 mil neste ano", explica a Pasta.
A reportagem também procurou o Tribunal de Justiça do Ceará para ouvir as Varas de Execução Penal, mas não obteve retorno do Órgão até a publicação desta matéria.
POLÍTICA DE DESENCARCERAMENTO?
Três advogados ouvidos pelo Diário do Nordeste acreditam que não há uma política de desencarceramento no Ceará. A presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen-CE), advogada Ruth Leite Vieira, analisa que "a pandemia trouxe a oportunidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentar a saída antecipada. Com isso, em 2020 e 2021, muitos presos foram liberados com tornozelamento e outras medidas cautelares. Houve um amadurecimento do Judiciário que passou a aderir com mais afinco a alternativas da prisão".
O ex-presidente do Copen e do Conselho Estadual de Segurança Pública (Consesp), advogado Leandro Vasques, lembra que o Brasil adotou o monitoramento eletrônico em 2010. "Em 2017, só 1% dos presos usavam monitoramento eletrônico. De 2021 para frente, praticamente 10% dos presos são monitorados. Isso se deve a uma política de amadurecimento, porque se verificou que o cárcere é nocivo. As facções criminosas surgem dentro do âmbito prisional, em razão do ócio que prevalece no cárcere brasileiro", corrobora.
Há uma política criminal em que o Poder Judiciário tem adotado com mais inclinação que é de buscar para os delitos menos gravosos, especialmente aqueles praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, se dê a oportunidade para que o indivíduo seja monitorado eletronicamente, determinando um perímetro ao qual ele se submete e evitando que ele ocupe mais um espaço no Sistema Penitenciário, que está superlotado."LEANDRO VASQUESAdvogado
Já o presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal no Ceará (Anacrim-CE), advogado Alexandre Sales, afirma que, "com a pandemia, os Tribunais começaram a adotar as práticas que são elencadas no artigo 319 do CPP (Código de Processo Penal), que são as medidas cautelares diversas da prisão. Esse artigo diz que a prisão é uma exceção, e não a regra. Se existirem medidas diversas suficientes para garantir que a justiça vai ser feita, não precisa a pessoa estar presa. Tem o monitoramento eletrônico, não poder frequentar bares e festas, ficar em casa à noite... são medidas que têm se mostrado suficientes".
Ruth Vieira acrescenta que, com a maior adesão ao monitoramento eletrônico, o Estado do Ceará investiu na aquisição de mais tornozeleiras, o que julga uma "medida bem mais barata para o Estado e menos gravosa para a sociedade, embora ainda tenha muitos problemas no acompanhamento dessas pessoas". "Trata-se de um primeiro passo numa evolução importante: fazer a sociedade entender que o aprisionamento não é um remédio eficaz e aumenta a violência contra a própria sociedade, pois não rompe um círculo nefasto", conclui.
Alexandre Sales pondera que o aumento do uso de tornozeleiras eletrônicas "está indiscriminado, até". "Por exemplo, crimes sem violência, não precisavam do monitoramento eletrônico, mas estão aplicando. Mas, como é uma cautelar diversa da prisão, o interessante é que a pessoa não esteja presa", justifica.
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Cariri Ativo
26.03.2024