Entretanto, 63% das pessoas mortas em ações policiais, no Estado, no ano passado, não tiveram a cor ou a raça identificada. A Secretaria da Segurança Pública promete incrementar tecnologias e campanhas para aumentar os registros de cor ou raça
pessoas mortas em intervenções policiais, em território cearense, no ano passado, eram negras, segundo o estudo. Destas, 43 se identificavam como pretas e 4, como pardas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera o número de negros como o somatório de pretos e pardos.
Outras 6 pessoas mortas em intervenções policiais, em 2023, se identificavam como brancas. Ao total, 53 mortos tiveram a raça ou a cor identificada. Portanto, 88,6% dos mortos com cor identificada eram negros (81,1% de pretos e 7,5%, pardos); e apenas 11,3% eram brancos.
Um dos três integrantes do Observatório da Segurança Ceará na pesquisa "Pele Alvo", o sociólogo e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Luiz Fábio Paiva analisa que o maior número de negros mortos em intervenções policiais tem uma explicação histórica. "A 'Pele Alvo' vem para contribuir com uma série de outras pesquisas da área científica que já demonstram que a população preta, pobre e jovem, preferencialmente do sexo masculino, é o segmento mais afetado pela violência policial", aponta.
Isso tem várias razões. Desde uma herança colonial, na qual essas populações são sujeitadas aos aparatos de controle, diferente de outras populações, que, mesmo acontecendo crimes em territórios de classe média, em território das elites, a maneira como esse crime é tratado é diferente da maneira de como é tratado o crime nas periferias, nos territórios da população mais pobres e pretas. E essa maneira de agir diferente das forças policiais ocasiona letalidade."
O número de mortes por intervenção policial no Ceará em 2023 foi de 147 pessoas. Ou seja, 94 pessoas (63,9% do total) não tiveram a cor ou a raça identificada.
A Rede de Observatórios levantou os dados de mortes por intervenções policiais, no Ceará e em outros 8 estados brasileiros, junto das secretarias estaduais de segurança, através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Os pesquisadores também não receberam a identificação das pessoas mortas em ações policiais.
Questionada sobre o maior número de negros mortos em intervenções policiais, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) afirmou, em nota, que "ciente do seu compromisso em reduzir estigmas e a vulnerabilidade contra pessoas negras, dialoga constantemente com órgãos aliados, como a Secretaria de Igualdade Racial (Seir), com a finalidade de articular ações de combate à discriminação".
"Como resultado de um termo de cooperação técnica assinado entre as duas pastas, a SSPDS destaca o lançamento de uma campanha, iniciada neste mês de novembro de 2024, para conscientização relacionada ao preenchimento dos requisitos de raça, cor e/ou etnia, campo obrigatório na emissão da Carteira de Identidade Nacional (CIN), realizada pela Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce). A informação fica no prontuário civil do identificado e possibilitará a ampliação da produção qualificada de dados, realizada pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp). Para auxiliar a autoidentificação, foram produzidos cartazes que serão fixados em pontos de emissão do documento", complementou a Pasta.
Confira os dados por estado e por raça/cor:
O sociólogo Luiz Fábio Paiva lamentou que os registros das mortes por intervenção policial não contenham mais dados pessoais das vítimas, como raça/cor: "Faltam informações, a gente não tem todos os elementos do acontecimento. E, também, a cor e a raça é um elemento negligenciado pelas forças policiais, que são os responsáveis inclusive pelo registro das violências policiais".
Para o pesquisador, "não há, pelo menos nesse momento, um esforço orientado para mudar essa realidade. Existem situações muito específicas nas quais se busca ter algum tipo de melhoria na qualificação dos registros. Mas a gente não vê ainda uma política evidente. Isso acaba dificultando, e relatórios como 'Pele Alvo' são super importantes para a gente ter um retrato e para poder discutir com a sociedade um problema de Segurança Pública".
Visando aumentar as informações sobre as vítimas de crimes violentos, a SSPDS e a Seir irão lançar, nesta quinta-feira (7), um Painel Dinâmico de Monitoramento com informações sobre discriminação por raça e cor, "com base nos registros do Sistema de Informações Policiais (SIP3W), plataforma atualmente utilizada pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE)".
Segundo a SSPDS, a ferramenta SIP3W "será substituída, em breve, por uma nova tecnologia que possibilitará cruzar dados estratégicos para o andamento do inquérito policial e levantamentos da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), assim como o perfil das vítimas de crimes. O Painel de Monitoramento estará disponível na aba de estatística do site da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social".
A Pasta acrescenta que "os profissionais da Segurança Pública participam de formações iniciais e continuadas para o atendimento humanizado às pessoas negras e demais grupos vulneráveis, como a oficina que será ministrada, neste mês de novembro de 2024, pela Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin) da PCCE, em parceria com a Seir, para o atendimento em casos de racismo e intolerância religiosa".
"Além disso, a Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp), responsável pela formação dos servidores da Segurança Pública, realiza cursos de Intervenções Não Letais e Atuação do Profissional de Segurança Pública frente a Grupos Vulneráveis. Entre 2023 e outubro de 2024, a Academia teve 4.640 concludentes nos referidos cursos. Outros seis cursos estão em andamento."
Já com foco na prevenção e aproximação com a população, a SSPDS afirmou que a Polícia Militar e a Polícia Civil "realizam palestras mensais em escolas, abordando a prevenção à violência e às drogas, combate ao bullying, respeito ao próximo e entre outros assuntos, além de atividades culturais que relacionam música, esporte, com crianças e adolescentes. O Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE) mantém o Programa Jovem Brigadista de Valor (JBV). A iniciativa realiza formação com jovens utilizando fundamentos de cidadania, respeito à pluralidade cultural e compromisso com o meio ambiente e voluntariado, além de capacitar o público-alvo em primeiros-socorros, atendimento inicial em emergência pré-hospitalar, entre outros".
Jovens mortos em ações policiais
O estudo realizado pela Rede de Observatórios da Segurança Pública também revela que 79,6% das pessoas mortas em intervenções policiais eram jovens - tinham entre 12 e 29 anos. Outras 25 pessoas mortas nessa situação tinham entre 30 e 39 anos - o que representa 17% do total.
pessoas, com 12 a 29 anos de idade, morreram em ações policiais no Ceará, em 2023. Dentre elas, 102 tinham entre 18 e 29 anos (69,4% do total) e 15 tinham entre 12 e 17 anos (10,2%).
Entre as vítimas da letalidade policial no Ceará, em 2023, está o adolescente Pedro Kauã Moreira Ferraz, de 15 anos, morto em uma ação da Polícia Militar do Ceará (PMCE), no Município de São Gonçalo do Amarante, no dia 27 de novembro do ano passado.
O jovem foi morto durante uma perseguição policial a suspeitos de tráfico de drogas. Pedro Kauã corria para tentar alcançar o seu cavalo, que tinha fugido de casa, quando foi confundido com um criminoso e baleado pelos policiais, segundo o Ministério Público do Ceará (MPCE).
Quatro policiais militares foram denunciados pelo MPCE por tentativa de homicídio (contra os suspeitos), coação no curso do processo, tortura, fraude processual e omissão de socorro. Dois agentes de segurança ainda foram acusados pelo homicídio do adolescente de 15 anos.
Em outra ação policial, ocorrida no dia 23 de novembro de 2023, policiais militares derrubaram a motocicleta de dois assaltantes, os perseguiram e os mataram, no bairro Passaré, em Fortaleza. A dupla tinha acabado de roubar um jovem, em uma parada de ônibus. A ação criminosa e a ação policial foram filmadas.
Variações nas mortes por intervenção
O Ceará teve redução de 3,2% no número de mortes por intervenção policial em 2023 (147 mortes), na comparação com o ano 2022 - que teve 152 mortes.
Entretanto, o balanço parcial de 2024 (até o mês de setembro) já soma 140 mortes decorrentes de intervenção policial, conforme estatísticas da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará.
A Secretaria da Segurança Pública ressaltou, na nota, que "trata todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência. As ocorrências são apuradas com instauração de inquérito policial pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e submetidas à apreciação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE)".
"O Estado possui também a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), uma secretaria autônoma e isenta, com a função de investigar e garantir o devido processo legal e proporcionar a segurança jurídica na avaliação da conduta e correição preventiva de servidores", completou a SSPDS.
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Cariri Ativo
08.11.2024