O parlamentar acumula denúncias, polêmicas e atos que o levaram à condição de investigado pela própria instituição em que é servidor público
Exercendo atualmente o primeiro mandato como vereador de Fortaleza — e reeleito para mais quatro anos na Câmara da capital cearense —, a trajetória política de José Alberto Bastos Vieira Júnior, conhecido como Inspetor Alberto (PL), é destaque nacional, apesar de suas funções municipais. A repercussão acumulada pelo político não vem de projetos de leis aprovados ou debates na Casa, mas de denúncias, polêmicas e atos que levaram o investigador da Polícia Civil do Ceará (PCCE) à cadeira de investigado pela mesma instituição.
Nas últimas semanas, o político voltou a ganhar destaque por conta de ações que o tornaram alvo de inquéritos e pedidos de cassação. Nas redes sociais, os próprios militantes do PL passaram a responsabilizá-lo pela derrota do deputado federal e candidato à Prefeitura de Fortaleza, André Fernandes (PL).
A história dos dois políticos, inclusive, se confunde. Ambos ganharam projeção na esteira de influência do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), defendem ideais conservadores e usam as redes sociais para criticar adversários sempre com tom de denúncia e críticas incisivas.
Alberto ingressou na Polícia Civil do Ceará em fevereiro de 1990. Conforme consta no Portal da Transparência do Governo do Ceará, ele está afastado das funções de investigador desde janeiro de 2019. Ao longo de sua carreira policial, o hoje vereador atuou principalmente no município de Aquiraz — onde iniciou investidas na política que se mostraram fracassadas.
Carreira política
Diferentemente de André, Inspetor Alberto tem um histórico mais longo de derrotas nas urnas. Ele disputou a primeira eleição em 2006 para deputado estadual. À época, conseguiu 689 votos, o equivalente a 0,02% do total.
Em 2008, fez nova investida na política — agora em uma tentativa de ser vereador em Aquiraz — e somou uma nova derrota ao currículo. Desta vez, conforme dados da Justiça Eleitoral, ele não conquistou nem mesmo o próprio voto. Ficando com 0% de apoio.
Quatro anos depois, o político tentou novamente garantir uma vaga na Câmara de Aquiraz. Após a apuração, ele totalizou 110 votos, o equivalente a 0,28% do eleitorado, ficando apenas como suplente. Nas três investidas que fez no começo da carreira política, Inspetor Alberto integrava os quadros do PHS, sigla de centro-direita que, em 2019, foi incorporada ao Podemos.
Em 2018, o então inspetor da Polícia Civil do Ceará tentou novamente entrar na política, agora como 2º suplente do candidato Dr. Márcio Pinheiro ao Senado Federal. A chapa do PSL foi derrotada, mesmo sob influência da ascensão de Jair Bolsonaro, que também integrava o PSL. Ao todo, eles somaram 183,9 mil votos, o equivalente a 2,37% do total.
Inspetor Alberto só conquistou sua primeira vitória nas urnas em 2020, já com apoio do eleitorado bolsonarista e tendo como um dos principais cabos eleitorais o deputado estadual André Fernandes. Ele conquistou 7,3 mil votos, o equivalente a 0,57% do total.
Já neste ano, foi reeleito vereador de Fortaleza pelo PL, sigla de André e de Bolsonaro. Durante a campanha, acompanhou o candidato a prefeito constantemente nas agendas de rua, normalmente munido de adesivos com o número 22 e um colete a prova de balas, mesmo sem qualquer informação pública de que o vereador fosse alvo de ameaças ou algum perigo iminente. No pleito deste ano, ele conquistou 7,9 mil eleitores.
Assim como os votos, o patrimônio do parlamentar também sofreu uma evolução nos últimos anos. Quando disputou pela primeira vez um mandato eletivo, o político disse não ter bens, de acordo com declaração à Justiça Eleitoral. Já neste ano, ao disputar a reeleição como vereador, declarou ter uma motocicleta e três automóveis, totalizando R$ 460 mil.
Relação com André Fernandes e acusações de nepotismo
Conforme a biografia pública do vereador, disponível na Câmara de Fortaleza, a imagem do político está “atrelada a do deputado estadual (federal) André Fernandes e as bandeiras de seu mandato são direcionadas conforme ações do governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. O parlamentar é apoiador das ideologias de direita, com destaque para ‘Escola sem Partido e o fim da ideologia de gênero em colégios’”.
A proximidade entre Alberto e André, inclusive, virou motivo de acusação no primeiro turno das eleições. Nos debates eleitorais, o candidato derrotado Capitão Wagner (União Brasil) — e depois outros postulantes — expôs suspeitas de nepotismo cruzado entre o gabinete do vereador e do deputado do PL.
Segundo Wagner, a esposa de André, Luana Fernandes, sua mãe, Marilene Fernandes, sua irmã, Cinthia Fernandes, e seu cunhado, Edilanio de Souza, teriam sido empregados no gabinete do vereador. Em contrapartida, o deputado federal teria nomeado a esposa do Inspetor Alberto, Maria do Socorro Moreira, para trabalhar em seu gabinete em Brasília.
À época, André Fernandes disse estar sendo vítima de “calúnia” e de ataques dos adversários por conta de “desespero” diante das pesquisas eleitorais.
De investigador a investigado
Contudo, foi no segundo turno que a atuação do Inspetor Alberto ganhou destaque nacional. Na quinta-feira (24), três dias antes dos eleitores irem às urnas no segundo turno,ele apareceu em um vídeo divulgado nas redes sociais mandando uma mensagem a Evandro Leitão (PT), atualmente, prefeito eleito de Fortaleza.
No registro, o vereador disse que o petista deve se planejar, porque irá morrer. “Leitão, filho da p*, tu vai para a churrasqueira. Prepara teu caixão, vagabundo”, disse na gravação. Ao tomar ciência da ameaça, a equipe de campanha do PT levou o caso à Polícia. No mesmo dia, o governador Elmano de Freitas (PT) informou que a Polícia Civil instaurou um inquérito para investigar o vereador pelas ameaças ao petista.
Em entrevista ao PontoPoder, Inspetor Alberto afirmou que não foi sua intenção fazer menção a “caixão”. “Na verdade, como o assunto se tratava de churrasqueira, de churrasco, de assar o Leitão, quando gritei na rua, falei 'caixão', mas seria 'preparar o carvão'”, disse o parlamentar. Segundo ele, o episódio foi uma “brincadeira”. “Se eu tivesse visto que, no momento, eu tinha falado caixão, teria pedido para apagar”, justificou, frisando que foi uma atitude isolada, sem direcionamento da campanha.
O político, no entanto, disse que, à época, estava “chateado” com Evandro Leitão porque o postulante teria reciclado as acusações de nepotismo cruzado feitas por Capitão Wagner, que naquela altura da eleição já estava aliado novamente de André Fernandes. “Ainda colocaram a foto da minha mulher numa fake news”, justificou Alberto em conversa com a reportagem.
O caso de maior repercussão, no entanto, ainda estava por vir à tona. No domingo (27), dia da eleição, um novo vídeo do parlamentar começou a circular. Na gravação, ele segura um porco pelas orelhas, levanta e joga o animal contra o chão enquanto manda outro recado a Evandro Leitão.
"Você vai para a panela. Leitão, seu desgraçado, você vai para a panela dia 27. Me aguarde", disse. No mesmo dia, a Polícia Civil instaurou um inquérito policial para apurar crimes de maus-tratos a animais.
Em nota assinada por assessoria jurídica, o vereador Inspetor Alberto afirmou que não teve "nenhum intuito de causar dor ou desprezo ao animal" e negou maus-tratos, além de apontar que o vídeo "em nenhum momento foi publicado nas páginas oficiais" do parlamentar.
No texto, ele negou que o “trato com o animal” tenha se dado “única e exclusivamente para a gravação de vídeo”. Segundo o posicionamento, o vereador “transferia o animal de um lugar para outro e, durante esse trâmite, aproveitou e proferiu algumas palavras no bojo do cenário político”.
Na segunda-feira (28), o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Ceará (CRMV-CE) denunciou formalmente Alberto e pediu a cassação do mandato do parlamentar.
Na terça-feira (29), vereadores, deputados cearenses e entidades da sociedade civil solicitarem a cassação do mandato do vereador. No mesmo dia, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) aplicou uma multa de R$ 3 mil ao Inspetor Alberto por conta do episódio. Também na terça-feira, o parlamentar depôs na Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA).
Na quarta-feira (30), foi a vez do Ministério Público Eleitoral (MPE) cobrar que a Polícia Federal (PF) instaure um inquérito policial eleitoral para investigar o vereador. O ofício, assinado pelos 17 promotores eleitorais que atuam em Fortaleza, considera que o parlamentar pode responder pelos crimes de injúria praticada durante ato de campanha, previsto no artigo 326 do Código Eleitoral, e de maltratar, ferir ou mutilar animais, com base no artigo 32 da Lei Federal nº 9.605/1998.
Em entrevista ao PontoPoder, o deputado estadual Carmelo Neto, que preside o PL Ceará, disse que a sigla não recebeu denúncias contra o correligionário. Ele também rechaçou as acusações de que a conduta do vereador pode ter prejudicado a campanha de André Fernandes.
“Não recebi, o Partido tem um Conselho de Ética e qualquer filiado pode fazer denúncias, mas acho que não é o momento de lavar roupa suja, de avaliar erro e acerto, acredito muito que esse momento vai chegar, claro”, disse.
“Acho que cada um responde pelos seus atos, ele vai poder ser questionado quanto a isso, como já deve ter sido pela própria imprensa. Eu acho que não é um momento de avaliar erros e acertos. A eleição acabou no domingo, mas vai chegar esse momento e a gente vai avaliar, até para que, nas próximas eleições, a gente possa acertar ainda mais e ter a vitória”, completou.
A assessoria de imprensa do vereador Inspetor Alberto foi procurada pela reportagem. Até o momento, o parlamentar não se posicionou sobre a ação do MPE.
Tiros contra foto de Lula, caça a Lázaro e calúnias contra Ciro e Camilo
Além dos atos praticados durante a eleição deste ano, Inspetor Alberto tem um longo currículo de polêmicas.
Em 2019, ainda como assessor parlamentar de André Fernandes, o político publicou um vídeo disparando dez tiros contra uma foto do presidente Lula (PT). A conduta rendeu ao vereador uma multa de R$ 5 mil.
Em 2021, Alberto anunciou que embarcaria em uma jornada rumo a Goiás para procurar o criminoso Lázaro Barbosa. Na ocasião, o político publicou vídeos e fotos com armas e coletes balísticos.
A ação virou alvo de investigação da Polícia Civil por suspeita de porte ilegal de arma de fogo e usurpação de função pública. À época, o parlamentar disse que todos os equipamentos estavam em situação regular. Ainda em 2021, ele foi investigado por ter arrancado a placa de um vestiário de unidade da Rede Cuca do José Walter, que autorizava o uso do local por pessoas trans, não-binárias e cisgênero.
Em 2022, foi a vez de Ciro Gomes (PDT) abrir uma queixa-crime contra o vereador. A denúncia do pedetista ocorreu depois do vereador sugerir, em uma publicação nas redes, que o ex-ministro seria usuário de “farinha”, em referência ao uso de drogas. Em 2023, Camilo Santana foi quem processou Inspetor Alberto por calúnia.
diariodonordeste.verdesmares.com.br
Cariri Ativo
01.11.2024