Fundadora do Instituto Identidades do Brasil, Luana Génot detalhou ao Diário do Nordeste sobre programa Escola Sim, que deverá ter piloto no Estado.
Dizer não ao racismo – mas, principalmente, dizer sim à igualdade. É sob essa premissa que o programa Escola Sim, do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), que utiliza inteligência artificial (IA) para promover o letramento racial e digital, pode chegar às salas de aula do Ceará, neste ano.
O Estado deve se tornar um dos quatro brasileiros a receber o piloto da iniciativa, como detalhou Luana Génot, fundadora e diretora executiva do ID_BR, em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste, nessa terça-feira (14).
A ativista e comunicadora carioca esteve no Ceará, nesta semana, em tratativas com as Secretarias Estaduais da Educação, dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial, para discutir maneiras de trazer o programa e inserir a IA no planejamento pedagógico das instituições cearenses.
“Queremos entender onde o uso da inteligência artificial, aliada às metas de letramento racial, pode potencializar o planejamento já existente na educação no Ceará”, introduz Luana, ressaltando que o Estado “sai na frente” por já ter implementado o Selo Escola Antirracista.
“Assim, a gente quer justamente colocar como parte do desafio deste ano para conseguir o selo a possibilidade de as escolas usarem a IA para engajar os professores dentro das salas, dentro do planejamento das suas aulas”, explica.
A implementação piloto será financiada, inicialmente, pelo Google, mas o ID_BR pretende “angariar mais fundos da iniciativa privada local e nacional no Ceará” para expandir o programa. Além do Ceará, Rio de Janeiro, Pará e Rio Grande do Sul receberão os pilotos.
Que IA é essa?
A inteligência artificial que o programa Escola Sim pretende popularizar entre professores da rede pública se chama “Deb” e funciona dentro do Instagram, no perfil @chamaadeb. Ela já soma quase 17 mil seguidores e 4 mil interações por dia. Para interagir, basta o usuário seguir o perfil e enviar uma mensagem direta sobre pautas raciais, de gênero e justiça climática, por exemplo.
“Posso estar penteando o cabelo da minha filha e não ter referência de produto, posso ter adotado uma menina negra ou indígena e querer ter mais referências pra essa criança. São as mais diversas dúvidas que a Deb recebe hoje”, exemplifica Luana Génot.
No contexto da educação, a ideia é que os docentes cearenses acionem a assistente virtual para fazer pesquisas, buscar conhecimentos e obter ajuda e ideias de conteúdos para inserir a pauta racial em aulas de quaisquer disciplinas.
“A gente tinha uma dor: nós queremos que essa pauta de letramento racial seja de massa, levamos formações para os educadores, para empresas, mas muitas vezes as dúvidas que eles têm sobre a temática vêm no dia a dia. A Deb vai estar lá para responder.”
A fundadora do ID_BR afirma que a Deb foi “alimentada” e treinada com conteúdos, pesquisas, artigos e o acervo do instituto, “para que as pessoas possam acessar e tirar suas dúvidas de forma conversacional, confidencial e segura”.
Como a IA funciona, por enquanto, apenas dentro do Instagram, as formações e o incentivo para uso dela têm os professores como público-alvo, “para serem influenciadores da educação das crianças e dos adolescentes”. O Ceará, na visão de Luana Génot, é terreno fértil para plantar essa mudança de paradigma.
“O Ceará já tem uma base muito importante: escolas indígenas, quilombolas e uma educação que é referência para o País como um todo. Procuramos nos aliar com quem já está fazendo a diferença”, pontua.
Por que usar IA na educação
Em primeiro lugar, é preciso demarcar o que é o “letramento racial” tão urgente para a nossa sociedade. “É saber dialogar sobre o que é ser preto, pardo, indígena, branco, amarelo. Sobre cotas ou não cotas, sobre os heróis nacionais e locais. Saber quem é Dragão do Mar, Cacique Pequena, que são essenciais para o repertório de cada um, para você criar o orgulho de ser e pertencer”, resume Luana Génot.
Usar a inteligência artificial como aliada nesse ensino, então, é importante para além da capacidade de a ferramenta chegar em todos os lugares: é simbólico e político. “O uso da IA eleva a pauta a um patamar de importância contemporânea, já que os professores também precisam aprender a se familiarizar com as novas tecnologias”, analisa a ativista e pesquisadora.
“O programa Escola Sim provoca essas duas frentes ao mesmo tempo: tratar um problema absolutamente importante, criando um espaço seguro de diálogo pra letramentos como raça e gênero dentro da sala de aula; e impulsionar o educador a se familiarizar com o uso da IA.”
A Deb, então, diferentemente de IAs como o ChatGPT, tem opiniões e posicionamentos formados. “Se você pergunta a outra IA se é contra ou a favor das cotas, ela vai te dar argumentos contra e a favor e dizer que não tem opinião, porque é uma inteligência artificial”, inicia.
“Já a Deb tem: ela vai se colocar a favor das cotas, vai trazer números da importância de ter mais mulheres em conselhos e cargos de liderança, do quanto isso contribui para a economia. Ela vai dialogar. Ela não perde a paciência, tem paciência infinita”, brinca Luana.
Tornar a educação antirracista uma pauta de massa, cotidiana, então, é um dos pilares para reduzir um dado desolador encontrado pelos pesquisadores do ID_BR: hoje, o tempo para se alcançar a igualdade racial em espaços de públicos e privados no Brasil é de 167 anos.
“Massificando essa temática, a gente consegue fazer com que mais pessoas tenham mais consciência sobre isso e tomem mais decisões, de forma mais consciente e intencional, sobre grupos que vêm sendo excluídos historicamente. Já temos leis, agora é usar formas e ferramentas para que a massificação desse debate seja facilitada.”
Tirar leis do papel
Na última terça-feira (14), o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgaram os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024, cujo tema da redação foram os “Desafios para valorização da herança africana no Brasil”.
Em todo o País, apenas 12 estudantes atingiram a nota máxima na produção textual, contra 60 que alcançaram a nota mil em 2023. Para Luana Génot, “isso basicamente diz que nosso país precisa de mais letramento racial”.
“Você tem um país que é mais de 50% negro ou indígena, e quando a gente tem que falar sobre heranças africanas e dissertar sobre isso, você vê o baixo repertório que nós como população temos. Não vale a pena só colocar a carga só sobre o aluno que prestou o Enem: é uma carga que é da população como um todo”, sentencia.
“Muitas vezes a gente fica ali insistindo para que a população tenha competências em português e matemática, mas há componentes da história do Brasil que precisam ser fundamentados e fundamentais para elevar a forma como o próprio brasileiro lida consigo mesmo e com a sua história”, acrescenta a ativista.
O Ceará, na visão da fundadora do ID_BR, tem potencial para ser referência. “O Ceará é uma potência, já tem um Ideb (Índice de Educação Básica) maravilhoso. Mas a população negra e indígena, mesmo nesse cenário que já é referência, tem as suas desigualdades.”
“Já pensou se a gente consegue criar uma educação que já é referência, mas que tenha mais igualdade de acesso e de oportunidades para todos os alunos, incluindo esses que estão ficando para trás, como os alunos negros e indígenas? Eu elevo o Ceará para outro patamar. Que a educação antirracista, o letramento racial, possam levar ao Ceará a outro patamar.”
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Cariri Ativo
20.01.2025