A comunidade busca regularizar o espaço para que as religiosas enterradas em Fortaleza possam ter seus restos mortais transferidos para a serra.
O cemitério de freiras, como é conhecido no entorno, não tem um nome formal. No lugar, 38 religiosas estão enterradas, e o último sepultamento ocorreu em 2021. A propriedade está em um lugar recluso, afastado, onde as pessoas costumam ir, inclusive, para refletir e meditar. A manutenção do mosteiro se dá a partir da arrecadação com hospedagens e a realização de retiros.
Mantido pelas Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, o cemitério de freiras passa por um processo de adequação junto ao à Prefeitura da cidade, já que a administração do local buscar conseguir autorização para transferir para lá freiras sepultadas em Fortaleza, reforçando o vínculo de pertencimento à comunidade onde viveram e serviram.
A administração do cemitério é responsabilidade da comunidade que também cuida da Ecopousada São José, instalada no antigo Mosteiro de Santa Cruz. A irmã Maria Nilsa Lima, 50 anos, explicou, em entrevista ao Diário do Nordeste, que a manutenção é simples, feita no dia a dia pelas próprias religiosas. “Somos nós que limpamos, que cuidamos. No Dia de Finados, vamos até lá, rezamos, lembramos das mais velhas. É um espaço nosso, de respeito e carinho”, diz.
O processo prático do sepultamento ocorre por meio de uma funerária. Segundo a irmã Nilsa, as religiosas têm plano funerário e, quando ocorre um óbito no local, após o atestado emitido pelo médico, funcionários da empresa realizam o enterro.
Para além da manutenção física, o cemitério é visto como parte viva da história das SMIC.
Nos relatos mais antigos, aparece em uma crônica de 1974, quando as Irmãs Iolanda, Eufrásia e Berchmans descreveram uma caminhada pela serra, mencionando que ‘no cemitério, cada sepultura é um canteiro, cujas angélicas contrastam com o verde da folhagem’.
Para a administradora do ambiente, o cemitério simboliza a continuidade da vida em comunidade mesmo após a morte. “Faria muito sentido a gente continuar em comunidade, vamos dizer assim, no cemitério. Às vezes até brincamos, porque hoje somos apenas quatro irmãs, e quando vamos lá, vemos tantas sepultadas. É como se a maior parte da comunidade já estivesse ali”, comenta.
Preservação da memória
A iniciativa de regularização faz parte de um movimento mais amplo de preservação da história das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus (SMIC), que chegaram à Serra do Estevão em julho de 1929, a convite de Dom Manuel da Silva Gomes, então Arcebispo de Fortaleza.
Elas foram recebidas com o desafio de restaurar o Mosteiro de Santa Cruz, abandonado havia 14 anos e em ruínas. As religiosas escalaram a serra, enfrentando as adversidades do terreno e grandes dificuldades financeiras.
Nos primeiros anos, viveram com simplicidade, sustentando-se com o próprio trabalho — dedicavam-se à agricultura, à criação de animais e a pequenas atividades manuais. O acesso à serra era feito apenas a cavalo, o que tornava a vida comunitária ainda mais isolada e desafiadora.

Ao longo das décadas, as Irmãs Missionárias desempenharam um papel essencial na assistência social e espiritual do Distrito de Dom Maurício, área que engloba a Serra do Estevão. O antigo Mosteiro de Santa Cruz transformou-se na Casa de Repouso São José (CRSJ), enquanto o Colégio São José, anexo ao prédio principal, deu origem a um sanatório voltado para pacientes com tuberculose — uma iniciativa inspirada na salubridade do clima serrano. Posteriormente, o espaço se tornou o Convento das SMIC, ampliando o alcance das ações de caridade.
Em 1949, foi criado o Ambulatório Dom Manuel da Silva Gomes, voltado ao atendimento de pessoas pobres da região. As irmãs distribuíam remédios, faziam curativos e acompanhavam doentes. Irmã Argemira Távora, que era dentista, mantinha um consultório odontológico dentro do mosteiro.
No campo da educação, a Irmã Escolástica Hilmer organizou uma escola para cerca de 40 crianças da redondeza, fornecendo material didático e merenda — muitas vezes a única refeição do dia para os alunos. As ações das SMICs contribuíram de forma decisiva para o desenvolvimento comunitário e para o fortalecimento dos laços de solidariedade e fé que ainda marcam o local.
Raízes históricas
O Mosteiro de Santa Cruz foi fundado em 1899 pelos beneditinos vindos de Olinda (PE), que buscavam um lugar salubre e protegido das epidemias que assolavam o litoral. O clima seco e saudável da serra foi visto como ideal para formação religiosa e refúgio contra a febre amarela, que havia vitimado monges no Nordeste, conforme detalha o trabalho da pesquisadora Isaldete Almeida intitulado "Evangelização em tempos de conflitos: a Casa de Repouso São José durante o regime militar de 1964", defendido na Universidade Estadual do Ceará (Uece) em 2017.
Anos depois, em 1923, chegaram à região as primeiras Missionárias da Imaculada Conceição. Seis anos mais tarde, elas receberam, em usufruto perpétuo, o patrimônio do antigo mosteiro, onde estabeleceram uma casa de formação e, ao lado, a Casa de Repouso São José — espaço que combinava retiro espiritual e cuidados de saúde, considerado refúgio contra a exaustão física e emocional, também segundo a pesquisa da historiadora.
Descrita pelo escritor e historiador José Bonifácio de Sousa como “um oásis em meio à aspereza dos sertões”, na edição de 1947 da Revista do Instituto do Ceará, a Serra do Estevão sempre foi associada à salubridade e à tranquilidade.
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Cariri Ativo
21.10.2025