No acumulado do ano corrente, entre janeiro e março, o Estado já registrou 308 armas legais. Em igual período do ano passado, foram registradas 133. O aumento, de um ano para outro, é de 131,5%.
Apesar do aumento dos registros de armas de fogo, o Ceará tem o segundo menor (ou oitavo maior) número de 2021, na comparação com os outros nove estados da Região Nordeste, à frente apenas de Alagoas. O Estado de Pernambuco lidera o ranking, com o registro de 1.032 novas armas, seguido pela Bahia, com 1.010.
O sociólogo do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Fábio Paiva, acredita que o aumento de registros de armas de fogo no Ceará tem relação com o incentivo do Governo Federal para a aquisição e o uso de armas de fogo e com ideologia política.
Em fevereiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro publicou decretos que flexibilizaram o acesso às armas de fogo, que entraria em vigor nesta semana, mas, na última segunda-feira (12), a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar que suspendeu trechos das medidas.
“Percebe-se que há uma extrapolação da responsabilidade do presidente, sobretudo na medida em que ele fragiliza as possibilidades de controle de instituições como a Polícia Federal”, afirma Paiva.
“O presidente não tem nenhum estudo sobre armas de fogo no Brasil. Ele age de maneira voluntariosa, voltando atender interesses políticos e não ao bem estar da população”, diz Luiz Fábio Paiva.
Já o advogado e presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (Consesp-CE), Ricardo Valente Filho, acredita que o aumento de registros de armas de fogo representa a vontade da população em ter acesso a armas. “Nós tivemos um referendo para saber qual o entendimento da população brasileira, se era contra ou a favor do comércio de armas”, lembra.
“Nós tivemos a votação, no ano de 2005, e a população entendeu que deveria ter comércio de armas. Eu entendo como tradicional da família brasileira”, disse Ricardo Valente.
Paiva teme que a possível flexibilização do acesso às armas de fogo prejudique a Segurança Pública: “muitas dessas armas de fogo estão entrando no mercado legalmente e, muito em breve, vão estar com um Boletim de Ocorrência registrado e aparecerão no mercado ilegal. Nós temos um problema que vai afetar a vida da população e dos policiais”.
Valente contrapõe que a decisão da ministra Rosa Weber cria uma situação de risco para quem detém o porte de trânsito arma de fogo, como os CACs (colecionadores, atiradores e caçadores). Ele, inclusive, é um atirador esportivo. “Caso ela suspenda um atirador de portar arma de fogo municiada de sua residência para a competição. Tendo que fazer esse trajeto agora, com ela desmuniciada. A minha pergunta é a seguinte: caso um atirador leve consigo um fuzil 5.56, uma espingarda 12, quatro pistolas, para treinar para competições, sem uma arma (municiada) para se proteger? Ficaria vulnerável para o bandido intervir e saquear todas aquelas armas, para utilizar para o crime? Vamos suspender a prática esportiva?”, questiona.
Porte de arma de fogo
O número de portes de arma de fogo no Ceará acompanhou o aumento de registros de armas e chegou ao maior patamar em quase sete anos, segundo dados da PF. Em março último, foram concedidos 83 novos portes de arma. Sendo superado apenas pelo número registrado em julho de 2014, que foi de 84 portes.
No ano de 2021, já foram concedidos 144 portes de arma de fogo, no Estado, nos três primeiros meses. Em igual período de 2020, esse número era de apenas 60. O crescimento do índice é de 173,3%.
Ainda conforme as estatísticas da Polícia Federal, dentre os 144 novos portes, 124 têm motivação funcional (trabalhar com arma) e 20 são para defesa pessoal. No ano passado, 49 eram funcionais e 11 para defesa pessoal.
Na comparação com os outros estados do Nordeste, o Ceará está entre os estados que mais somaram portes de arma de fogo em 2021: é o terceiro colocado, atrás apenas de Bahia, com 164, e Rio Grande do Norte, 161. Em 2020, o Ceará estava na mesma posição.
O advogado Ricardo Valente Filho é a favor do porte de arma de fogo para cidadãos, defende restrições e acredita que os números de porte de arma de fogo e de registros de novas armas ainda são baixos para a população cearense, apesar das altas. “Pouquíssimos são aqueles cidadãos que chegam a pleitear e têm um objetivo a alcançar do porte de arma. O Estatuto do Desarmamento pontua muito bem isso e traz vários requisitos legais para que se chegue o acesso ao porte de armas. Eu passo uma linha, do endurecimento dos requisitos, mas não do acesso. O acesso ao porte de arma é legítimo, proponente e democrático”, explica.
Já o sociólogo Luiz Fábio Paiva se diz totalmente contra o porte de arma: “Já deveríamos conseguir conviver de maneira desarmada. Eu defendo inclusive um tipo de trabalho policial desarmado, desde que nós tivéssemos uma série de políticas públicas que pudessem fomentar uma convivência mais harmoniosa. Mas é muito importante dizer que não se trata somente de ser contra ou a favor do armamento, mas como esse armamento acontece”.
Fonte: Diário do Nordeste
miseria.com.br
15.04.2021