A equipe de transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a versão final de seu relatório em 22 de dezembro de 2022. No documento, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) contextualizou o cenário. Na avaliação da pasta, o desmonte promovido pela gestão anterior ocorreu por três vias que ocasionaram a interrupção de políticas públicas: o revisionismo do significado histórico dos direitos humanos, a restrição à participação social e o corte no orçamento.
O primeiro marco do ministério foi a própria indicação do advogado, professor universitário e filósofo Silvio Almeida ao cargo de titular da pasta. Um homem negro, com trajetória na luta antirracista e esteve à frente do Instituto Luiz Gama, que oferece assessoria jurídica a minorias sociais. Almeida também foi relator da comissão de juristas, criada pela Câmara dos Deputados para aprimorar a legislação de combate ao racismo no Brasil.
Composição do ministério
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos tinha em sua composição oito Secretarias Nacionais: a de Política para as Mulheres; a da Família; a dos Direitos da Criança e do Adolescente; a da Juventude; a de Proteção Global; a de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; a dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. Com a reorganização do presidente Lula e do ministro Silvio Almeida, o organograma passou a contar com cinco, além das assessorias diretas ao ministro: a dos Direitos da Pessoa Idosa; a dos Direitos da Criança e do Adolescente; a de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos; a dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+. Pautas referentes a mulheres e ao enfrentamento ao racismo ficam sob responsabilidade de dois ministérios específicos.
Ditadura e autoritarismo
As consequências da ditadura militar e seus possíveis reflexos nos dias de hoje é um dos temas que tem a atenção do novo governo. Durante a posse dos novos secretários, Silvio Almeida anunciou a reativação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e a criação da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade.
Em 17 de janeiro, o ministério definiu os novos membros da Comissão de Anistia, para retomar a análise de processos que promovam a devida reparação a vítimas de perseguições políticas no país. Na ocasião, a pasta informou que, de 2019 a 2022, 4.081 (95%) dos 4.285 processos julgados pela comissão anterior, do governo Jair Bolsonaro, foram indeferidos. A primeira sessão pública da comissão, que tem como presidente Eneá de Stutz e Almeida, foi realizada em 30 de março.
Entre 24 de março e 2 de abril, o MDHC organizou uma série de iniciativas que pretendem retomar agendas institucionais pela preservação da memória, da verdade, da luta pela democracia e justiça social. O conjunto de atividades levou o nome de “Semana do Nunca Mais – Memória Restaurada, Democracia Viva”. Foi também lançado o documentário “Nunca mais”, disponível no YouTube.
Outro aspecto que entrou na agenda do ministério foi o combate a discursos de ódio. No dia 27 de janeiro, o órgão anunciou a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), integrado por especialistas, profissionais e comunicadores que encampem a cultura da paz. Cerca de um mês depois, em 22 de fevereiro, foi publicada uma portaria que formalizou a constituição do grupo, comandado pela ex-deputada federal Manuela D´Ávila.
Janeiro chegou ao fim com a assinatura de decretos que criaram o Conselho de Participação Social e o Sistema de Participação Social Interministerial, para se restaurar o vínculo com movimentos sociais e organizações da sociedade civil. O sistema institui uma Assessoria de Participação Social e Diversidade em cada um dos ministérios, que ficam subordinadas à Secretaria-Geral da Presidência da República.
O programa Abrace o Marajó, iniciativa do governo Bolsonaro para melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios da região, no Pará, será objeto de auditoria a pedido do MDHC, conforme anunciou a pasta no início de fevereiro. No entendimento do ministério, a ação teria sido usada para beneficiar interesses estrangeiros, sem participação social e sem beneficiar cidadãos da região.
Desastres naturais
Os temporais que atingiram o estado de Pernambuco foram mais uma adversidade que exigiu resposta do governo federal. O MDHC monitorou a situação das pessoas desabrigadas e manteve contato com organizações locais, para prestar apoio, se acionado.
Poucos dias depois, foi a vez do litoral paulista, que enfrentou tensão semelhante. Nesse caso, a solução do ministério foi coordenar ações através da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, em conjunto com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR). Em paralelo, uma equipe sobrevoou a região para calcular os danos e acompanhou a retirada de moradores das zonas de risco. Além disso, o MDHC se colocou à disposição para dar suporte à rede local que prestou assistência à população.
Ainda em fevereiro, o ministério lançou, no carnaval, a campanha “Bloco do Disque 100”, em parceria com a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur). O propósito foi a divulgação do canal, que recebe denúncias de violações de direitos humanos. O mote foi “a alegria é um direito fundamental”.
Ainda na primeira metade de fevereiro, o presidente Lula e o ministro Silvio Almeida participaram de cerimônia, no Palácio do Planalto, para celebrar a recriação do Programa Pró-Catador e editar decretos de fomento à reciclagem.
Combinando com o acolhimento de reivindicações dos catadores de resíduos recicláveis, o governo federal tomou medidas no sentido de resguardar direitos das pessoas com deficiência. Um dos principais passos dados foi o lançamento de uma linha de crédito específica, que permitirá empréstimos com valor entre R$ 5 mil e R$ 30 mil. Para quitá-los, as pessoas com deficiência poderão parcelar a quantia total em até 60 meses, com taxas de juros de 6% a 7,5% ao ano.
Durante os primeiros 100 dias de governo Lula, o MDHC também produziu um relatório sobre o estado do sistema prisional no Rio Grande do Norte. O texto foi produzido e divulgado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), que documentou casos de tortura contra detentos e outras situações, como falta de atendimento médico.
Outro projeto que deve expor vulnerabilidades pelo Brasil é a criação de um painel nacional de indicadores em direitos humanos e de políticas públicas de direitos humanos baseadas em evidências, que deve se concretizar com o apoio de especialistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A reflexão que faz o diretor de Litigância e Incidência Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, é de que o país necessita, antes de tudo, de uma reversão do cenário de declínio em diversas áreas. “Para um país com um racismo arraigado, com desigualdades estruturais, toda vez em que não há avanço nos direitos humanos, por sua consolidação, temos sempre um agravamento muito cruel dessas desigualdades. Portanto, um ciclo de quatro anos de retrocessos não é facilmente suplantado”, argumenta.
“Passos importantes foram tomados em relação a casos de profunda relevância, como é o caso do controle de armas, do enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão”, exemplifica.
Sobre a relação com o Congresso Nacional, capaz de travar ou destravar matérias de interesse do governo federal, a economista e doutora em Políticas Sociais Nathalie Beghin ressalta que “a tensão é permanente”, mas confia no poder de articulação dos ministros de Lula. “Vai ser um debate tenso, mas os profissionais nomeados para as pastas, como os ministros Silvio Almeida, Anielle Franco e Cida Gonçalves, são pessoas comprometidas com suas agendas, mas penso que abertas ao diálogo”, pontua ela, que também é membro do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
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