Panorama de iniciativas ajuda a entender a relação que o Executivo almeja construir com a categoria, com ações que vão de gratificações ao novo sistema de metas.
Em pouco mais de dois anos à frente do Governo do Estado, Elmano de Freitas (PT) enviou pelo menos 15 projetos que alteram a estrutura institucional e de carreira das Forças de Segurança para apreciação da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Conforme o levantamento do Diário do Nordeste, as propostas se concentram no aumento das gratificações, criação de cargos, ampliação do limite de horas extras, implantação do sistema de metas, entre outras medidas.
Nessa segunda-feira (31), inclusive, a Alece recebeu mais uma mensagem de Elmano, na qual o governador solicita a criação de 358 cargos de oficial investigador da Polícia Civil (PCCE). Caso aprovada, a medida permitirá a abertura de concurso público para nomeação de 500 novos policiais – o quantitativo leva em conta as 142 vagas já existentes para a função. O projeto foi lido no Plenário da Casa nesta terça (1º) e deve ser votado na quarta (2).
Esse panorama de iniciativas ajuda a entender a relação que o Executivo estadual almeja construir com a categoria, para além do peso institucional e do fortalecimento do combate ao crime. O sistema de metas, por exemplo, visa melhorar indicadores criminais e tem a redução de 11% dos homicídios como um dos objetivos de 2025. Caso o percentual seja atingido, os agentes devem receber compensação financeira que pode chegar a R$ 2 mil por quadrimestre – até R$ 6 mil por ano.
As ações também pretendem alterar uma outra realidade: o Ceará foi o estado do Nordeste com mais mortes de policiais em 2024, tanto por assassinatos como por suicídios. No total, 32 oficiais foram vítimas de crimes violentos ou tiraram a própria vida, conforme dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Para Marcos Silva, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da UFC, essas mudanças podem ser vistas tanto como demandas políticas quanto institucionais, diante da dinâmica dos contextos sociais.
O especialista, que estuda a Polícia na área da Sociologia da Violência, avalia que as medidas refletem uma “necessidade urgente” das políticas de segurança pública no atual cenário, no qual as reformas anteriores não conseguiram alterar ou evitar o panorama de insegurança e de criminalidade violenta no Estado.
“No caso do Ceará, as reformas policiais que fazem parte desse contexto são muito significativas. Elas mostram, de certo modo, um descompasso nas políticas de segurança pública em relação aos nossos contextos. As reformas vêm, às vezes, muito atrasadas ou descontextualizadas. E essas reformas, muitas vezes, não conseguem atingir os objetivos reais”
PROJETOS VOLTADOS ÀS FORÇAS DE SEGURANÇA DO ESTADO APROVADOS NA ALECE:
- Criação da polícia comunitária – Aprovado em fevereiro de 2023 – Institucionaliza o Programa Segurança Cidadã e o Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac);
- Promoção de oficiais administrativos – Aprovado em março de 2023 – Permite que os oficiais do quadro administrativo na ativa sejam promovidos até tenente-coronel; e Coronéis-comandantes que vão para a reserva podem levar gratificações entre os ganhos desde que estejam no cargo há 18 meses;
- Adicional financeiro para policial penal – Aprovado em julho de 2023 – Garante ao policial penal que está participando de atividades de ressocialização receba um adicional financeiro por hora trabalhada;
- Criação de cargos estatutários – Aprovado em novembro de 2023 – Institui 350 novos cargos de policial penal, 11 peritos criminais na Perícia Forense (Pefoce) e 267 inspetores e um escrivão na Polícia Civil;
- Reajuste no valor da hora trabalhada – Aprovado em dezembro de 2023 – Atualiza o valor da hora trabalhada de reforço do serviço operacional em sábados, domingos e feriados para policiais militares e civis do Ceará, ajustando o acréscimo para 30%;
- Repasse para compra de uniforme - Aprovado em dezembro de 2023 - Estabelece o repasse anual de R$ 950 – à época – para os militares estaduais adquirirem diretamente os uniformes operacionais;
- Gratificações para serviço de inteligência – Aprovado em fevereiro de 2024 – Amplia o número de vagas e o valor de gratificações aos policiais e bombeiros que atuam na área de inteligência (passou de R$ 1.050,18 para R$ 1.900 para o nível estratégico e de R$ 816,81 para R$ 1.400 para o nível tático operacional);
- Pagamento de reforço ao serviço operacional – Aprovado em março de 2024 – Cria a Diária de Reforço ao Serviço Operacional (DRSO) para policiais militares, civis e penais, além de bombeiros militares, garantindo o pagamento de horas extras sem a dedução do imposto de renda;
- Pacote de medidas – Aprovado em junho de 2024 – ampliação da premiação por apreensão de armas, acessórios e munições para policiais penais; criação de Diária de Reforço Operacional para os servidores da Pefoce; ampliação da jornada de atuação de policiais militares, civis, penais e bombeiros em reforço operacional de 84 horas mensais para 96 horas; ampliação da distribuição da gratificação por exercício na atividade de inteligência (GEAI) para servidores e militares;
- Promoção especial para policiais civis – Aprovado em agosto de 2024 – Amplia o direito à promoção especial para escrivão e inspetor da Polícia Civil, aposentados ou afastados para aposentadoria;
- Novos cargos e gratificações – Aprovado em dezembro de 2024 – Cria 350 novos postos na Polícia Militar e estabelece gratificações de até R$ 7,2 mil para o alto escalão da corporação;
- Pacote de reestruturação da Segurança Pública – Aprovado em dezembro de 2024 – Cria 960 cargos em comissão e extinguem outros 390 distribuídos na Academia Estadual da Segurança Pública (Aesp), na Superintendência de Pesquisa e Estratégia da Segurança Pública (Supesp), na SSPDS, na Pefoce e na Polícia Civil. O projeto também renomeou os cargos de inspetor e escrivão da PCCE para oficial investigador de Polícia;
- Criação das metas – Aprovado em fevereiro de 2025 – Cria o Sistema de Metas Integradas de Segurança Pública (Misp), que oferece compensação financeira de até R$ 2 mil por quadrimestre para os agentes, em caso de redução em 11% dos homicídios no Ceará (um dos objetivos iniciais do programa);
- Nomeação de policiais civis antes do curso de treinamento – Aprovado em março de 2025 – Modifica a legislação em vigor, adicionando dispositivos para que os editais de concursos da corporação prevejam a nomeação e o ingresso de candidatos antes da participação e da avaliação no curso de formação e treinamento;
- Mais vagas para promoção a tenente-coronel – Aprovado em março de 2025 – Aumenta o número de vagas de promoções para tenente-coronel da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar. O número de oficiais promovidos por semestre passa a ser de três para cada instituição, não mais de um.
SOB A ÓTICA PARLAMENTAR
O Diário do Nordeste ouviu três deputados estaduais que têm acompanhado as movimentações do Executivo voltadas às Forças de Segurança: Guilherme Sampaio (PT), líder do governo na Alece; Sargento Reginauro (União), membro da oposição; e Renato Roseno (Psol), presidente do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Casa.
Na avaliação de Guilherme Sampaio, Elmano tem fortalecido a política de segurança do Estado associada às políticas sociais. É nesse sentido que o governador “tem considerado fundamental valorizar os policiais e demais profissionais de segurança, através da carreira, de condições de trabalho e de recompensa financeira pelos resultados alcançados”, enfatizou.
Diante desse cenário, o parlamentar salientou os resultados iniciais do programa “Ceará Contra o Crime”, como a redução de homicídios e furtos no último trimestre de 2024 e primeiro bimestre deste ano. “São medidas que combinam investimento em inteligência, programas inovadores como o ‘Meu Celular’ e o ‘Moto Segura’, valorização dos profissionais e estrutura de trabalho”, evidenciou o petista.
“Devemos ter concurso para a PM e bombeiros, além do concurso de delegados de Polícia Civil, ampliação do efetivo dedicado à inteligência, do número de delegacias e unidades integradas de segurança. Governador Elmano lidera um processo inédito de investimento em gestão, inteligência e nos servidores e demonstra um grau de compromisso com a pacificação progressiva da sociedade, que lhe confere alcance nacional nesse complexo desafio das políticas de segurança pública”
Por sua vez, Sargento Reginauro considera que, até agora, as mudanças feitas na carreira dos militares “nem de longe” atendem às necessidades da categoria. “Promoção no posto de tenente-coronel, no final da carreira das praças, beneficia um número ínfimo de militares que, infelizmente, continuam se sentindo realmente desprestigiados pelo governo Elmano”, exemplificou.
“Até aqui, as propostas mandadas pelo governador para a Assembleia Legislativa que poderiam, de alguma forma, causar um impacto diferente na crise da segurança pública que nós estamos vivendo, infelizmente não foram de fato efetivadas”, argumenta o parlamentar do União Brasil. O político citou, ainda, o sistema de reconhecimento facial e o Comitê Estratégico de Segurança Integrada do Ceará (Coesi) – com Executivo, Legislativo e Judiciário – como iniciativas que ainda não estariam operando de forma integral.
“O fato é que o governo está correndo atrás de um prejuízo e esse é o grande problema. O governo está agindo só por motivação. O crime avança, o governo faz algo. O crime interdita a internet do Porto Pecém, o governo vai lá e dá uma resposta. E assim a gente não vai conseguir efetividade nessa crise da segurança pública. A gente tá falando de crime organizado, o governo precisava chegar antes. Para isso precisa de mais investimento em inteligência e precisa, de fato, da presença do Poder Judiciário e do Ministério Público para que a Polícia possa fazer seu trabalho”
Já Renato Roseno reconhece que votou favoravelmente aos projetos que criam o cargo de Diretor de Planejamento e Gestão Operacional e ampliam o número de promoções a tenente-coronel, mas acredita que as medidas são insuficientes. “Em 2025, completamos 10 anos da Lei de promoções (Lei nº 15.797, de maio de 2015). É necessário revisar a Lei no sentido de descongestionar a carreira (há postos e graduações em que os militares não são promovidos há vários anos) e reduzir os interstícios para a promoção”, ponderou.
O parlamentar do Psol defende que é preciso que o Governo dialogue com as associações que congregam servidores militares do Ceará. Nesse sentido, o político argumenta que as entidades que “fazem um trabalho sério sem vinculação político-partidária” estão no cotidiano dos agentes e sabem quais são os principais problemas.
“Nosso mandato está nesse esforço: intermediar o diálogo entre essas associações e o Governo do Estado, buscando avançar nas pautas mais sentidas, quais sejam a elaboração de Código de Ética, saúde mental dos profissionais de segurança pública, celeridade na promoção requerida para a reserva remunerada, apoio aos policiais readaptados (aqueles que, por motivos de saúde ou acidente, encontram-se impossibilitados de exercer o policiamento ostensivo e, por conseguinte, são lotados em “serviços leves” ou tarefas administrativas), etc”
EFICIÊNCIA DAS MUDANÇAS
Para Marcos Silva, a efetividade dessas medidas voltadas às Forças de Segurança só será perceptível a médio prazo. No entanto, o pesquisador avalia que o histórico mostra que as reformas institucionais não surtiram efeito de modo efetivo no combate ao crime e têm dificuldades de se conectar com a “complexidade da vida social”, mesmo diante de investimentos em tecnologia, aumento de salários e ampliação do efetivo policial.
"Sociologicamente falando, essas reformas são necessárias, mas elas precisam ser concatenadas com outras outras reformas, porque para pensar Polícia é preciso pensar sociedade. Então, se você faz reformas na Polícia, você também tem que pensar o contexto social, que é muito complexo. E as reformas nos últimos anos, não só no Ceará, mas no Brasil, elas não conseguiram dar conta da realidade social brasileira”
Marcos Silva avalia que as mudanças propostas pelo Executivo estadual evidenciam, ainda, o contexto histórico de “idas e vindas” da relação dos governos com a Polícia, principalmente pensando que as gestões de Cid Gomes (PSB) e Camilo Santana (PT), antecessores de Elmano, tiveram que lidar com motins de agentes de segurança.
"A segurança pública precisa estar blindada em relação aos burburinhos que afetam a relação do campo da segurança pública com os seus gestores", pontua o pesquisador. "Essa aproximação, que também é política, é necessária e creio que o governo Elmano vem fazendo e vai continuar fazendo exatamente isso. De certo modo é tapar as arestas que ficaram ainda desses últimos anos em relação à polícia e a política”, enfatiza.
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Cariri Ativo
02.04.2025