Profissionais de tecnologia do CE são aliciados pelo tráfico de pessoas com promessa de alto salário - Cariri Ativo - A Notícia Com Credibilidade e Imparcialidade
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Profissionais de tecnologia do CE são aliciados pelo tráfico de pessoas com promessa de alto salário

Profissionais de tecnologia do CE são aliciados pelo tráfico de pessoas com promessa de alto salário

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Legenda: Em muitas dessas empresas, aponta, as vítimas são levadas a praticar outros tipos de crime, como golpes cibernéticos
Foto: Pexels

Neste dia 30 de julho, é lembrado o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, data instituída pela ONU para chamar atenção sobre um fenômeno que precisa ser combatido.


Escrito por
Nícolas Paulinonicolas.paulino@svm.com.br

A integração do Ceará num hub aéreo para diferentes países representa avanços para o desenvolvimento econômico e turístico do Estado, funcionando como um centro de conexões para voos nacionais e internacionais. No entanto, também pode esconder uma realidade difícil: a exploração de seres humanos por meio do tráfico de pessoas.

Neste dia 30 de julho, é lembrado o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) para chamar atenção sobre um fenômeno que precisa ser combatido – embora não seja novo.

Só nos últimos 8 anos, o sistema de saúde do Ceará realizou 83 atendimentos a vítimas do tráfico de pessoas, além de 54 atendimentos pelo sistema de Assistência Social. É o que mostra um painel do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP), divulgado em julho.

No Ceará, a Secretaria dos Direitos Humanos do Ceará (Sedih) acompanha a situação e presta apoio às vítimas. A supervisora do Programa Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Jamina Teles, explica que o Estado vivenciou uma mudança no perfil das vítimas.

Há cerca de 15 anos, as mais afetadas eram mulheres para a exploração sexual. Hoje, o contexto é diferente e envolve principalmente homens, com a finalidade de trabalho análogo à escravidão. E num setor emergente: a tecnologia.

“São pessoas capacitadas que acreditam em propostas de salários vantajosos e, ao chegarem a outro país ou Estado, se deparam com situações degradantes de trabalho. Não se trata apenas daquela ideia de trabalho escravo no campo, no trabalho agrário. Falo também do mundo da tecnologia, dos jogos digitais, cometimento de delitos”, explica.

Em muitas dessas empresas, aponta, as vítimas são levadas a praticar outros tipos de crime, como golpes cibernéticos.

Segundo a psicóloga, um dos principais destinos da atualidade é o Sudeste Asiático, incluindo países como Tailândia, Mianmar e Laos. A maioria desses homens viaja com vistos e com ofertas de trabalho.

São pessoas com formação, que falam outros idiomas, buscando melhores salários. Quem nunca pensou em morar fora do país e ganhar três vezes mais? Esse sonho é o ponto de partida para o tráfico humano. Essas redes criminosas, que são altamente organizadas, se aproveitam desse desejo e da vulnerabilidade, que muitas vezes é causada pela falta de informação.
Jamina Teles
Supervisora da Sedih

Contudo, Jamina reforça: o tráfico humano não ocorre apenas no âmbito internacional, mas também no interestadual.

Como funciona a repatriação?

Quando a vítima consegue chegar à embaixada do Brasil no país onde está sofrendo o crime, o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) inicia o processo de repatriação. Assim, a rede de apoio age tanto com o resgate seguro quanto com a assistência. 

Foto aproximada de mãos de homem algemadas sob uma luz azul
Legenda: Vítimas são monitoradas, constrangidas e precisam pagar grandes dívidas aos aliciadores
Foto: KindelMedia/Pexels

“Essa assistência inclui apoio psicológico, inclusão no mercado de trabalho e suporte social. Acompanhamos e monitoramos, desde que a vítima queira esse acompanhamento. Mas, muitas vezes, a vítima prefere tentar esquecer”, afirma Jamina.

A supervisora ainda aponta que uma das maiores problemáticas do tráfico humano é a subnotificação, já que, muitas vezes, a vítima tem vergonha e medo do julgamento da família, dos amigos e da sociedade. 

Medo de represálias

Além do receio dos conhecidos, Jamina lembra que as vítimas são constantemente ameaçadas porque o aliciador tem diversos ajudantes para cumprir ordens. “Existe o recrutador, o financiador, o receptor. O tráfico humano envolve atos, meios e finalidades”, detalha. 

“A vítima recebe a proposta, faz uma entrevista, assina um contrato aparentemente legal, viaja com passagem paga e, ao chegar, já tem uma dívida. Isso já indica o tráfico: dívidas, retenção de documentos, passaporte, perda de liberdade”.

Na prática, há condições abusivas, com jornadas de 12 a 14 horas por dia. “O medo e o constrangimento fazem as vítimas se calarem. Por isso, é um crime silencioso”, diz.

O que é o tráfico de pessoas?

O tráfico de pessoas ocorre quando há o agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, compra, alojamento ou acolhimento de pessoa, sob ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com finalidades diversas, incluindo:

  • remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo;
  • trabalho em condições análogas à de escravo;
  • servidão;
  • adoção ilegal;
  • exploração sexual.

Em 2023, alto comissário de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Volker Turk, afirmou que essa é a terceira atividade ilegal mais lucrativa do mundo, atrás apenas dos tráfico de armas e drogas.

Procedimentos de apoio

Não há dados unificados sobre o fenômeno no Brasil. Por isso, o MJSP recorre a uma série de bancos de dados. Além do sistema de saúde, no Ceará foram registrados:

  • 27 denúncias através do Disque 100
  • 26 procedimentos investigativos sobre trabalho escravo pelo Ministério Público do Trabalho (MPT)
  • 7 procedimentos investigatórios no Ministério Público Federal (MPF)
  • 5 processos de assistência jurídica (PAJ) pela Defensoria Pública da União (DPU)
  • 4 inquéritos instaurados pelo crime de tráfico de pessoas pela Polícia Federal (PF)

No caso das denúncias através do Disque 100, 26 eram crianças ou adolescentes e uma era pessoa com deficiência. Além disso, 18 eram do sexo masculino e 9 do sexo feminino.

Também foram avaliadas informações do Ministério das Relações Exteriores, Polícia Rodoviária Federal, Disque 100 e DataJud, ferramenta que permite o acesso público aos metadados de processos judiciais de todo o Brasil.

Aliciamento pela internet

Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados de 2024 mostra que o uso da internet tem se consolidado tanto para aliciar vítimas de tráfico de pessoas no Brasil, quanto para manter o controle e promover a exploração remota das vítimas.

No caso da exploração sexual, as mídias sociais foram apontadas como o principal canal (52%) de recrutamento. Já no tráfico para trabalho em condições análogas à escravidão, aparece atrás (26%) do aliciamento por conhecidos ou amigos (28%).

Cerca de 26% dos entrevistados também relataram que a exploração ocorreu sem deslocamento físico da vítima, por meio de redes sociais ou aplicativos de mensagens. O dado ilustra, por exemplo, casos de tráfico internacional envolvendo brasileiros levados a países asiáticos para atuar em plataformas digitais de apostas.

Segundo o MJSP, essa é uma nova configuração do crime, “mais difícil de identificar e combater”.

Para o Ministério, o uso da internet exige estratégias específicas de investigação digital, monitoramento de redes e capacitação de agentes públicos, assim como campanhas de conscientização para alertar a população, especialmente jovens e migrantes, sobre falsas ofertas de emprego ou promessas enganosas feitas on-line.

Acolhimento e escuta

Em âmbito estadual, a Sedih possui o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP). Parte de uma rede nacional com 18 equipamentos, sua atuação inclui a articulação e estruturação de uma rede para o atendimento e referenciamento das vítimas do tráfico de pessoas, bem como para a responsabilização e repressão.

Atualmente, o Ceará também conta com dois Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante, inaugurados em 2024, localizados no Aeroporto e na Rodoviária de Fortaleza – dois locais de grande fluxo de entrada e saída com possibilidade de identificação de possíveis vítimas. 

“Acredite: a escuta no atendimento revela muitos casos. Às vezes, é uma vítima em situação de aliciamento, alguém adoecido por ter passado por isso, ou uma mãe com um filho ou filha fora do país, passando por esse processo e sem saber a quem recorrer”, destaca a psicóloga.

Como denunciar tráfico humano?

O Brasil conta com diversos canais de denúncia para engajar a sociedade civil contra essa forma de crime organizado;

  • Disque 100 de Direitos Humanos
  • Ligue 180 (Ministério das Mulheres)
  • Comunica Crimes (Polícia Federal)
  • Sistema Ipê (Ministério do Trabalho e Emprego)
  • MPT Pardal (Ministério Público do Trabalho)

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Cariri Ativo

31.07.2025