Pesquisa inédita revela que maioria esmagadora da população teme riscos de vazamentos, fraudes e atuação de milícias com proposta da ANP
Uma mudança em estudo pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) pode alterar profundamente a forma como o gás de cozinha é comercializado no Brasil — e colocar em risco a segurança de milhões de lares. A proposta introduz um novo tipo de agente, que hoje não atua no setor, para encher botijões em pequenas instalações, inclusive em áreas urbanas, de forma fracionada (sem os 13 quilos completos de GLP líquido) e sem a garantia das marcas estampadas em alto-relevo nas embalagens. Especialistas do setor alertam que a flexibilização comprometeria a rastreabilidade do produto, a padronização da qualidade e a segurança dos consumidores. E a percepção de risco já chegou à população: segundo pesquisa inédita do Instituto Locomotiva, nove em cada dez brasileiros são contrários à mudança.
O objetivo da reforma seria reduzir preços e ampliar o número de concorrentes. Mas, para especialistas em segurança, os novos competidores devem atuar sob as mesmas regras que existem hoje, ou seja, com ampla responsabilização de cada empresa pelos seus botijões em circulação. A pesquisa ouviu 1.500 brasileiros em todas as regiões do país no período de 5 a 9 de junho de 2025 e constatou que 93% da população (cerca de 158 milhões de brasileiros maiores de 18 anos) temem comprar gás sem a garantia da marca conhecida – com margem de erro de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos. E 94% afirmam que a flexibilização das regras traria risco relevante de ligação com comércio ilegal ou com crime organizado.
Para Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, o GLP é percebido pela população como um tema sensível e delicado, que não admite experimentações. Segundo ele, a ideia de mudança é vista como inadequada pela grande maioria dos brasileiros.
Segurança, confiança e fiscalização
A pesquisa revelou três grandes eixos de preocupação dos brasileiros:
- Segurança
- 94% consideram a segurança o fator mais importante na hora da compra, mais do que o preço.
- 93% enxergam risco de adulteração ao comprar gás fracionado.
- 92% dizem que a compra de gás de forma fracionada traria risco de vazamento de gás e 90% veem risco de explosão.
- 86% consideram muito perigoso as pessoas andarem pela cidade com botijão para enchê-lo em uma instalação de gás fracionado.
- 82% preferem pagar um pouco mais e manter a segurança do que economizar com risco.
O enchimento fracionado, segundo a pesquisa, significa trocar certeza por desconfiança. Para os brasileiros ouvidos, é grande a chance de adulteração ou de receber menos gás do que comprou.
- Confiança na marca e na qualidade
- 97% acham importante a marca do botijão ser responsável garantir a qualidade do gás
- 94% consideram importante ter o nome da empresa que encheu o botijão gravado em alto-relevo, garantindo rastreabilidade.
- 94% dos brasileiros afirmam que haveria risco relevante de não ter a quem recorrer em caso de problemas com a compra de botijão sem estar cheio e lacrado.
- Fiscalização e responsabilidade
- 93% veem riscos à fiscalização se o botijão não for vendido cheio e lacrado.
- 87% concordam que fica muito difícil saber se abasteceu a quantidade correta de gás se o botijão não for lacrado.
- 83% defendem a regra atual de que só a empresa com marca gravada pode encher o botijão, para que sejam fiscalizadas e responsabilizadas em caso de acidentes.
Como funciona a logística do GLP hoje – e o que está em jogo?
Apesar de entregar um botijão a cada 13 segundos em todo o país, abastecendo 100% dos municípios e atendendo 91% dos lares, o setor de GLP não aparece entre os 50 maiores problemas dos Procons em nenhum estado. É um dos serviços com maior capilaridade e com menor índice de reclamações do país.
Hoje:
- Botijões com marca gravada em alto-relevo (identificação da empresa responsável) e lacre de segurança.
- Enchimento feito por grandes empresas, em plantas em local apropriado, com controle técnico e escala.
- Distribuidoras só podem comercializar botijões das suas marcas.
- Sistema com rastreabilidade, responsabilidade legal e fiscalização efetiva.
O que está sendo proposto:
- Botijões serão monitorados por um sistema de rastreamento que não existe, e não funcionará para 67% (> 80 milhões) de recipientes fabricados antes de 2005 que não têm número de série.
- Enchimento poderá ser feito em pequenas instalações, inclusive em áreas urbanas, de maneira fracionada (botijão não cheio) e sem lacre de segurança.
- Distribuidoras poderão comercializar botijões de outras marcas.
- Sistema de rastreamento proposto sujeito a fraudes, sem capacidade efetiva de fiscalização e responsabilização.
A solução: Gás com segurança e inclusão
O botijão de gás ainda pesa no bolso e é inacessível para milhões de brasileiros. Segundo dados do IBGE, cerca de 15% dos domicílios do Brasil ainda cozinham com lenha ou carvão, uma realidade que representa risco à saúde, prejuízos ambientais e um dos sintomas mais graves da pobreza energética no Brasil.
Para enfrentar esse desafio, o governo federal prevê o lançamento do programa Gás para Todos, que deve entrar em vigor em agosto deste ano, por meio de uma Medida Provisória. A iniciativa prevê o subsídio integral para a compra de botijões de 13kg para 16.6 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família.
A pesquisa reforça a importância de políticas públicas voltadas ao acesso ao gás de cozinha. Segundo o levantamento, 93% dos brasileiros apoiam que o governo subsidie a compra do gás para famílias de baixa renda. Mais do que o preço, a segurança também é um fator decisivo na escolha dos consumidores: 94% consideram a segurança “muito importante” na hora da compra, e 82% afirmam que preferem pagar um pouco mais por um botijão seguro do que correr riscos em nome da economia.
“Os dados mostram que o brasileiro valoriza políticas públicas que ampliem o acesso ao gás, mas sem abrir mão da segurança. A população sabe que um botijão mal conservado pode colocar vidas em risco”, finaliza Meirelles.
Sarah Soares
Cariri Ativo
14.08.2025