Região registrou 38 mil casos de violência sexual e 3 mil mortes de crianças e adolescentes entre 2021 e 2023, revela estudo do UNICEF e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Seis entre os dez estados brasileiros com os maiores índices de violência sexual contra crianças e adolescentes estão localizados na Amazônia Legal, de acordo com o estudo “Violência contra crianças e adolescentes na Amazônia”, lançado nesta quinta-feira, 14, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A região contabilizou mais de 38 mil casos de estupro com vítimas de até 19 anos entre 2021 e 2023, além de quase 3 mil mortes violentas intencionais da mesma faixa etária, no mesmo período.
Com base em dados das Secretarias de Segurança Pública estaduais, o relatório mostra como o cenário de violência contra meninos e meninas na Amazônia Legal - que abarca mais de 700 municípios de nove estados do bioma amazônico1 - tem particularidades relevantes em comparação ao resto do Brasil. A região apresenta taxas de violência sexual maiores do que o resto do País, com 141,3 casos registrados a cada 100 mil crianças e adolescentes em 2023, 21,4% acima da média nacional, que foi de 116,4. O estudo também aponta um crescimento maior nos registros: enquanto o Brasil teve um aumento de 12,5% nas notificações de estupro e estupro de vulnerável entre 2021 e 2022, o aumento na região foi de 26,4%.
Os seis estados da Amazônia entre os de maior incidência de violência sexual são Rondônia (com uma taxa de 234,2 casos a cada 100 mil crianças e adolescentes), Roraima (com taxa de 228,7), Mato Grosso (188,0), Pará (174,8), Tocantins (174,2) e Acre (163,7). Na região, o índice de estupros de crianças e adolescentes foi maior nos municípios localizados a até 150km das fronteiras brasileiras (com uma taxa de 166,5 por 100 mil meninos e meninas) do que nas cidades não-fronteiriças (136,8).
“As diferenças em comparação ao Brasil podem representar tanto um maior número de vítimas na Amazônia quanto uma maior porcentagem de identificação de casos na região. De qualquer maneira, as crianças e os adolescentes da Amazônia Legal estão extremamente expostos a diferentes violências. As desigualdades étnico-raciais e a vulnerabilidade social da região, que tem conflitos territoriais, uma larga área de fronteira e grande incidência de crimes ambientais, geram um cenário complexo para a garantia dos direitos da infância, que precisa ser compreendido e enfrentado para assegurar a proteção de cada criança e adolescente”, afirma Nayana Lorena da Silva, oficial de Proteção contra a Violência do UNICEF no Brasil.
“O estudo é fruto de um esforço de análise territorializada dos microdados de registros administrativos de maus-tratos, estupros e Mortes Violentas Intencionais (MVI) de crianças e adolescentes na Amazônia, com foco especial nas diferenças regionais entre as cidades que compõem a Amazônia Legal e os demais municípios do país. Os achados reforçam a importância de considerar as especificidades da região: as taxas de MVI nos municípios urbanos amazônicos, por exemplo, são 31,9% maiores do que nos centros urbanos do restante do país”, destaca Cauê Martins, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em relação aos registros de homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e de mortes decorrente de Intervenção Policial (MDIP) - agregados como MVI no estudo -, a Amazônia Legal também se destaca em relação ao resto do Brasil. Apesar de uma pequena queda no número de mortes de crianças e adolescentes entre 2021 e 2023 (com 1.076 mortes em 2021 e 911, dois anos depois), adolescentes e jovens de 15 a 19 anos que vivem em centros urbanos da região estão 27% mais vulneráveis à violência letal do que outros adolescentes brasileiros da mesma faixa etária.
Desigualdades raciais
As violências letal e sexual impactam de forma diferente meninos e meninas brancos, negros e indígenas na Amazônia. Entre as vítimas de estupro da região entre 2021 e 2023, 81% eram pretos e pardos e 2,6% eram indígenas. A taxa entre os negros foi de 45,8 casos a cada 100 mil crianças e adolescentes, maior do que a entre brancos, que foi de 32,7. No resto do Brasil, a maior incidência de violência sexual havia sido registrada entre meninos e meninas brancos.
Já no tema das mortes violentas, as crianças e adolescentes negros da Amazônia Legal estão três vezes mais expostos a esse tipo de violência que brancos, inclusive em relação às mortes decorrentes de intervenção policial. Nesse último caso, 91,8% das vítimas eram negras, enquanto 7,9% eram brancas e 0,3% eram indígenas. Apenas em 2023, a taxa de crianças e adolescentes negros mortos por ações de forças de segurança na região chegou a ser três vezes maior que o índice entre os brancos (1,5 frente a 0,5, respectivamente, para cada 100 mil).
Essas desigualdades impactam também meninos e meninas indígenas. Usando números do Ministério da Saúde, o relatório mostra que foram registradas 94 mortes violentas de crianças e adolescentes indígenas na Amazônia Legal no triênio 2021-2023. Além disso, os registros de violência sexual contra crianças indígenas cresceram ainda mais que o da média da região, mais que dobrando entre 2021 e 2023 (um aumento de 151%).
Maus tratos
Além dos dados de violência letal e sexual, o estudo ainda analisou a incidência de maus tratos contra meninos e meninas. A região teve 10.125 casos registrados entre 2021 e 2023 e, nesse último ano, também registrou uma taxa de incidência ligeiramente maior (52,9 a cada 100 mil crianças e adolescentes) do que no resto do Brasil (que foi de 52 a cada 100 mil). Nos anos anteriores, 2021 e 2022, a Amazônia havia tido números menores que a média nacional.
Em 2023, o último ano da série analisada, os dados mostram que os maus tratos são crimes comumente praticados por um familiar (94,7%), dentro de casa (67,6%), e cujas vítimas, de modo geral, são meninas (52,1%), têm entre cinco e nove anos de idade (35,2%) e são negras (78,9%), o que sugere uma ocorrência com perfil claro.
Recomendações
Diante desse cenário, o UNICEF e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública alertam sobre a necessidade de que governos e toda a sociedade enfrentem as diferentes violências contra meninos e meninas na Amazônia Legal e em todo o Brasil. Para isso, recomendam, entre outras coisas:
- Considerar as dinâmicas próprias do contexto amazônico ao analisar o fenômeno da violência e propor ações de resposta;
- Melhorar os registros feitos pelas polícias e pelo sistema de saúde, investir no monitoramento e na geração de evidências;
- Capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes, como conselheiros tutelares, considerando as especificidades do atendimento à população indígena;
- Fortalecer o controle do uso da força pelas forças de segurança, diante do impacto da letalidade policial nas mortes de meninos e meninas;
- Pautar e enfrentar o racismo estrutural e as normas restritivas de gênero que dificultam a proteção de crianças contra as violências;
- Garantir atenção adequada aos casos de violência, no marco da Lei 13.431/2017, lconsiderando as especificidades dos territórios e das populações amazônicas;
- Fortalecer a proteção ambiental e as políticas de enfrentamento de atividades ilícitas na região.
Sobre os dados - Os dados do estudo foram obtidos através de pedidos via Lei de Acesso à Informação às 27 secretarias estaduais de Segurança Pública (SSP) e/ou Defesa Social do Brasil. No caso dos dados de violência letal e sexual contra crianças indígenas, foram utilizados números consolidados pelo Ministério da Saúde, devido a maior quantidade de informações sobre a raça/etnia das vítimas no banco de informações do órgão. As bases usadas foram o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), para as mortes violentas intencionais; e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), para os casos de violência sexual.
Sobre o UNICEF - O UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, trabalha para proteger os direitos de cada criança e adolescente, em todos os lugares, especialmente os mais vulneráveis, nos locais mais remotos. Em mais de 190 países e territórios, fazemos o que for preciso para ajudar crianças e adolescentes a sobreviver, prosperar e alcançar seu pleno potencial. Em 2025, o UNICEF comemora 75 anos no Brasil.
O trabalho do UNICEF é financiado inteiramente por contribuições voluntárias.
Sobre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública - O Fórum Brasileiro de Segurança Pública é uma organização não governamental, apartidária, e sem fins lucrativos, cujo objetivo é construir um ambiente de referência e cooperação técnica na área de atividade policial e na gestão de segurança pública em todo o País. Composto por profissionais de diversos segmentos (policiais, peritos, guardas municipais, operadores do sistema de justiça criminal, pesquisadores acadêmicos e representantes da sociedade civil), o FBSP tem por foco o aprimoramento técnico da atividade policial e da governança democrática da segurança pública.
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18.08.2025